terça-feira, 17 de agosto de 2010

A SAÚDE NO CONTEXTO DA CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL: O Banco Mundial e as tendências da contra-reforma na política de saúde brasileira

A SAÚDE NO CONTEXTO DA CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL:
O Banco Mundial e as tendências da contra-reforma na política de saúde brasileira
Maria Valéria Costa Correia[1]


INTRODUÇÃO

No final dos anos 80 e início da década de 90, a Constituição de 1988 e as Leis Orgânicas da Saúde 8.080/90 e 8.142/90, contemplaram um sistema de saúde - o Sistema Único de Saúde (SUS) – baseado no modelo de reforma sanitária propugnado, em parte, pelo Movimento Sanitário[2] que defende os princípios de universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social.
Entretanto, na década de 90, este sistema foi alvo das reformas neoliberais[3] que têm atacado seu caráter universal e público visando o seu desmonte, através de um processo de universalização excludente, mercantilização e privatização da saúde.  Essas reformas são decorrentes dos reflexos das mudanças do mundo econômico em nível global e das conseqüentes reformas sanitárias propostas pelos agentes financeiros internacionais, em especial, pelo Banco Mundial (BM) que vem tendo proeminência nesta área, desde a segunda metade da década de 80.
Entender o paradoxo entre o SUS legal, conquistado no final dos anos 80 e início dos anos 90, e o SUS real (ataques ao seu caráter universal e público), nos remete a situar o contexto da crise contemporânea do capital, o papel que o Estado e a sociedade civil passam a assumir neste contexto, e o protagonismo dos organismos financeiros internacionais na definição das políticas estatais dos países de capitalismo periférico, em especial na política de saúde.
Desvendar o alinhamento aos desígnios do capital das tendências que segue a atual política de saúde brasileira, no contexto da crise contemporânea do capital, se torna importante para o Assistente Social situar a direção social de sua prática profissional nesta área, tendo em vista o seu compromisso ético-político com as classes subalternas.
Este artigo, na tentativa de apreender as determinações do referido paradoxo, apresenta, inicialmente, as mudanças do mundo econômico que interferem nas políticas estatais dos países de capitalismo periférico, em especial, na política de saúde brasileira. A partir deste contexto, mostra a proeminência do Banco Mundial nas orientações das políticas de saúde dos referidos países, através do estudo aos documentos elaborados por esta agência, a partir de 1975. Analisa os principais documentos produzidos especialmente para o Brasil, os quais induzem às contra-reformas na área da saúde, destacando a recente proposta de criação das Fundações Estatais de Direito Privado. Aponta as tendências destas contra-reformas em curso, prescritas pelo Banco Mundial, na sua função de implementar o ajuste estrutural nos países de capitalismo dependente, com vistas ao fortalecimento do processo de reprodução ampliada do capital.[4]

MUDANÇAS DO MUNDO ECONÔMICO EM NÍVEL GLOBAL QUE AFETAM A POLÍTICA DE SAÚDE

Os anos 70 foram marcados por uma grande crise no capitalismo monopolista, com uma forte recessão da economia capitalista internacional. O padrão de acumulação fordista, baseado na produção em série e o keynesianismo com o pacto de classes que resultou no Welfare State, não conseguiram mais deter a tendência à queda da taxa de lucro. A capacidade de acumulação estava fortemente diminuída.
O capital buscou o enfrentamento da sua crise via reestruturação produtiva, baseada na liberdade do mercado, com um novo padrão de acumulação flexível e com a destruição dos direitos sociais e trabalhistas. Dias (2004) destaca que não se trata apenas de uma forma de retomar a possibilidade de acumulação, mas de alterar a correlação de forças entre capital e trabalho e fundar as formas atualizadas da dominação capitalista. Para este autor, trata-se de subsumir ainda mais profundamente o trabalho ao capital e assim fundar as bases das formas atualizadas da dominação capitalista.
O eixo da reestruturação capitalista é a volta da liberdade do mercado cortando as amarras impostas pelo pacto social-democrata e pelo Estado intervencionista. É uma intervenção da luta de classes contra as classes trabalhadoras. O retorno do laissez faire em tempos de globalização permite que o fluxo de capitais se mobilize instantaneamente entre os mercados mundiais favorecendo os monopólios financeiros que controlam a economia mundial. Isso se processa pela destruição dos direitos sociais e trabalhistas, eufemisticamente chamados de flexibilização, de terceirização.
O processo de financeirização do capital, representado por um novo estilo de acumulação - com predomínio financeiro e rentista -, na fase da “mundialização do capital”[5], é “dado pelas novas formas de centralização de gigantescos capitais financeiros (os fundos mútuos e fundos de pensão)” que, através dos títulos e da rentabilidade aliada à liquidez, têm a função de “frutificar principalmente no interior da esfera financeira” (CHESNAIS, 1996, p. 14-15). É esta que comanda, cada vez mais, a repartição e a destinação social da riqueza criada na produção a partir da combinação social de formas de trabalho humano[6].
Segundo Chesnais (1996, p.15), a dinâmica do crescimento desta esfera se alimenta de dois tipos de mecanismos, os primeiros se referem à formação de capital fictício e os outros se baseiam em transferências efetivas de riquezas para a esfera financeira, tendo como meio mais importante o serviço da dívida pública e as políticas monetárias associadas a este. Esse processo traz como conseqüência para os países periféricos um “nível de endividamento dos Estados perante os grandes fundos de aplicação privados (os ‘mercados’)” deixando-lhes “pouca margem para agir senão em conformidade com as posições definidas por tais mercados... salvo que questionem os postulados do liberalismo” (CHESNAIS, 1996, p. 15).
O poder do capital financeiro é defendido pelas instituições financeiras internacionais – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) e Organização Mundial do Comércio (OMC) - que, representando os interesses dos Estados mais poderosos do mundo, pressionam os demais Estados nacionais a adotarem políticas de liberalização, desregulamentação e privatização[7], impondo reformas políticas, econômicas e sócio-culturais, as quais vão ter implicações na soberania dos Estados-nação que a estas aderirem, mediante as condicionalidades[8] de suas políticas internas e externas. Estas instituições desempenham funções relevantes para o ajuste de integração dos espaços mundiais, visando à produção e à reprodução do capital.
Nas décadas de 80 e 90, com a crise da dívida[9] frente a taxa de juros flutuantes, os países devedores ficam sem possibilidade de honrar seus débitos  -, o FMI e o BM passaram a desempenhar um papel protagônico na orientação das políticas econômicas adotadas pelos Estados Latino Americanos, mediante a imposição da adoção de programas de estabilização econômica e de ajuste estrutural[10], implicando na reforma do Estado.
Neste contexto, o Estado tem se colocado, cada vez mais, a serviço dos interesses do capital, exigindo o protagonismo da sociedade civil para dar respostas às seqüelas da questão social, desresponsabilizando-se. Sader (1999, p.126) vai chamar esse tipo de Estado de Estado mini-max, ou seja, máximo para o capital - através de subsídios, créditos, perdão de dívidas, investimentos e obras de infra-estrutura dirigidos a apoiar a acumulação privada, e políticas econômicas e financeiras com conotação de classe evidente -, e mínimo para o trabalho, através do corte de gastos sociais, da precarização das políticas públicas, do congelamento dos salários do funcionalismo público, entre outras medidas. Nas palavras de Dias (1999, p. 121) "trata-se do ideologicamente Estado Mínimo, que é na prática o 'Mercado Máximo." A condenação retórica do Estado tem a função de ocultar a sua minimização "em relação às classes trabalhadoras e a sua maximização na sua articulação com a burguesia" (idem, ibidem).
A valorização da sociedade civil se insere como desdobramento do processo de reestruturação capitalista e do seu corolário, o neoliberalismo, que necessita modificar a forma de responder às refrações da “questão social”, desresponsabilizando o Estado e repassando esta tarefa para a sociedade civil através das “parcerias”, da disseminação de princípios de “auto ajuda” ou “ajuda mútua”, do voluntariado, do solidarismo e da filantropia. Nessa direção, Montaño (2001, p.22) afirma que “a desresponsabilização estatal das respostas às seqüelas da ‘questão social’ é (supostamente) compensada pela ampliação de sistemas privados: mercantis (empresariais, lucrativos) e filantrópicos-voluntários (do chamado ‘terceiro setor’)”.
As reformas do Estado recomendadas pelos organismos internacionas são no sentido da racionalização de gastos na área social e do fortalecimento do setor privado na oferta de bens e serviços coletivos.
O Banco Mundial afirma que “muitos países em desenvolvimento que desejam reduzir a magnitude de seu desmesurado setor estatal devem conceder prioridade máxima à privatização” (Banco Mundial, 1997, p. 7). Essa instituição orienta os governos a dar prioridade máxima aos “setores sociais fundamentais”, os mais vulneráveis, promovendo políticas públicas focalistas para dar eficácia e equidade aos gastos sociais. Esta orientação traz como conseqüência a quebra do caráter universal de tais políticas, tão caro às lutas sociais.
A partir da contra-reforma do Estado proposta pelo Banco Mundial as políticas sociais tendem: à focalização, em que os gastos sociais são dirigidos aos setores de extrema pobreza; à descentralização da gestão da esfera federal para estados e municípios sem a contrapartida de recursos necessários a esse processo, e com a participação na esfera local de organizações não governamentais, filantrópicas, comunitárias e de empresas privadas; à privatização, com o deslocamento de prestação de bens e serviços públicos para o setor privado que é regido pelo mercado.
Esta contra-reforma que tem acontecido na “contra-mão” do assegurado legalmente tem deformado as políticas sociais garantidas, rebaixando-as a programas focais, assistenciais e seletivos, dirigidos aos grupos de maior pobreza, esvaziando seu caráter universal. Ao tempo que se tem aberto ao mercado para o fornecimento de serviços coletivos acessíveis de acordo com o poder de compra de cada indivíduo, esvaziando o caráter público desses.
Nesse processo, ocorre uma diminuição da intervenção estatal na área social, simultânea ao repasse da gestão de bens e serviços públicos para a rede privada, tais como saúde e previdência, mediante a transferência de recursos públicos.
Observa-se a crescente tendência da utilização do fundo público para o financiamento da acumulação de capital em detrimento do financiamento da reprodução do trabalho. O que está em curso é o repasse dos custos de reprodução do capital para o conjunto da sociedade e para o próprio trabalhador, transformando-o em cidadão-consumidor.[11]


A PROEMINÊNCIA DO BANCO MUNDIAL NAS POLÍTICAS DE SAÚDE DOS PAÍSES DE CAPITALISMO PERIFÉRICO

O protagonismo do Banco Mundial sobre a política de saúde dos países de capitalismo periférico revela-se nos documentos por ele produzidos nesta área, os quais contêm orientações para as políticas estatais a serem implantadas, mediante disponibilização de empréstimos.  
Rizzotto (2000) faz uma análise dos motivos que levaram o BM a ter interesse em intervir na área da saúde, apontando três importantes: contribuir para o avanço do liberalismo, ao fazer a crítica contundente ao papel do Estado na intervenção nas políticas públicas, inclusive na saúde; a necessidade do BM difundir uma face humanitarista diante do agravamento das condições de vida da maioria da população e do aumento da pobreza e da desigualdade social como resultado da implantação do ajuste estrutural nos países periféricos por ele condicionado; por ter passado a área da saúde a se constituir em um importante mercado a ser explorado pelo capital.[12]
A área da saúde é uma área de grande interesse do capital, ou seja, dos grupos privados de saúde, indústrias farmacêuticas e de equipamentos nacionais e internacionais. A interferência do BM é no sentido de fortalecer o mercado da saúde.
 O primeiro documento produzido pelo Banco Mundial sobre a saúde foi publicado em 1975 “Salud: documento de política sectorial”. Compõe o conjunto de publicações de documentos de política setorial elaborados a partir de estudos setoriais da economia e da sociedade dos países devedores, os quais apontavam os problemas existentes em cada área e propunham políticas governamentais a serem seguidas para resolvê-los.
O Banco Mundial, desde o referido documento de 1975, já apresentava as primeiras diretrizes para uma reforma nas políticas de saúde aos países por ele subsidiados, reafirmadas nos documentos posteriores, tais como: a quebra da universalidade do atendimento à saúde, a priorização da atenção básica, a utilização da mão-de-obra desqualificada para os procedimentos de atenção à saúde e simplificação dos mesmos, a seletividade e focalização da atenção aos mais pobres.
O eixo das diretrizes desta reforma proposta é de caráter econômico no sentido de baratear os serviços de saúde envolvendo a comunidade, utilizando como critério de avaliação a relação custo/benefício: “para funcionar economicamente, o sistema necessita procedimentos e práticas médicas que sejam simples e baratos em sua maioria, sendo descartadas as complicadas investigações com fins de diagnósticos da medicina ocidental avançada” (Banco Mundial, 1975, p.54). Neste sentido, os programas voltados para atender aos pobres “podem considerar-se como consumo, que é o objetivo final do desenvolvimento econômico, e como investimento produtivo” (Banco Mundial, 1975, p. 29). Os recursos disponíveis para os programas governamentais na área da saúde, de acordo com este documento “devem formular-se sobre a base de estudos da eficácia em função dos custos” (Banco Mundial, 1975, p.37).
Os estudos de Costa (1998, p. 129), mostram que a partir de meados dos anos 80 o Banco Mundial assumiu a liderança no desenvolvimento global da agenda internacional para as políticas de saúde, apoiando projetos que pudessem servir aos seus interesses instrumentais na missão de ajuste estrutural. Segundo este autor, “a agenda do Banco Mundial subordina a avaliação dos gastos em saúde à preocupação com a consistência macroeconômica dos países em processo de ‘ajuste estrutural,” apelando para o fortalecimento do mercado para financiar e oferecer cuidado à saúde (ibidem). A nova pauta para as políticas públicas em saúde vai implicar em um conjunto de escolhas dentro da lógica de custo-efetividade, na perspectiva da racionalização da oferta (Cf. COSTA, 1998, p. 130-131).
O documento de 1987 do Banco Mundial, Financiando os Serviços de Saúde nos países em desenvolvimento: uma agenda para a reforma, congrega a agenda de reformas propostas pelo Banco na área da saúde aos países por ele subsidiados. Em consonância com a política neoliberal assumida pelas instituições financeiras nos anos 80, os argumentos deste documento questionam a intervenção do Estado na operacionalização dos serviços de saúde. Desta forma, o Banco Mundial entra no debate internacional sobre a saúde questionando uma premissa consensual[13] entre os organismos que tradicionalmente trataram da questão da saúde: a responsabilidade dos governos na melhoria da saúde da população.[14]
A consolidação do BM na orientação das políticas de saúde em nível internacional aconteceu com a publicação do Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1993: Investindo em Saúde[15], cujo eixo das propostas está fundamentado na política liberal em consonância com o recomendado pelo Consenso de Washington.[16] Os Relatórios do Desenvolvimento Mundial são publicados anualmente tratando de um tema específico relacionado ao desenvolvimento, a escolha do tema da saúde para o relatório de 1993 reflete a importância desta área no interior do Banco.


A AGENDA DE CONTRA-REFORMAS DO BANCO MUNDIAL PARA A POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA

            Existem três documentos que sintetizam o conjunto de propostas do Banco Mundial para a área de saúde no Brasil. O primeiro é de 1991, “Brasil: novo desafio à saúde do adulto”, elaborado após a Constituição de 88 e a aprovação das Leis Orgânicas da Saúde 8.080 e 8.142 de 1990, rebate frontalmente os avanços formais da reforma sanitária contemplados nesta legislação. De acordo com o Banco Mundial, “as realidades fiscais colidem com os sonhos de despesa alimentados pelo processo de democratização e pela Constituição de 1988” (Banco Mundial, 1991, p.1/20).
O documento também expressa a opinião do BM com relação ao acesso universal contido na Constituição Federal:
O prognóstico para o sistema de saúde no Brasil não é bom [...] A Constituição de 1988 estabelece como direito constitucional, o acesso universal aos serviços públicos de saúde. A implementação deste direito exerceria significativo efeito sobre a procura e o custo dos serviços médicos públicos (Banco Mundial, 1991, p.5/82).

Baseado no eixo da maioria de suas propostas que é o custo/efetividade, sugere a seletividade do acesso como proposta à quebra da universalidade: “os programas devem orientar-se especificamente para os pobres e considerar explicitamente a sua situação” (Banco Mundial, 1991, p.7). Outro princípio a que o Banco também se posiciona contrário é o da gratuidade ao propor “a cobrança aos usuários, tanto direta como através de impostos locais,” enquanto “elemento essencial para fixação de prioridades” (Banco Mundial, 1991, p.122).
O segundo documento, “A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no Brasil: uma agenda para os anos 90”, publicado em 1995, também vai de encontro aos avanços constitucionais de 88, ao referir-se que, na Constituição, a “firme tendência para a universalização da cobertura [...] trará, por si só, um aumento significativo nas despesas se as promessas públicas forem mantidas” (Banco Mundial, 1995).
De acordo com Rizzotto (2000, p.153), o núcleo temático dos dois referidos documentos “constitui-se em uma avaliação genérica do Sistema Único de Saúde brasileiro, com ênfase nos aspectos da relação custo-benefício dos serviços e, na defesa da necessidade de reformas constitucionais e institucionais vinculadas a este setor”. Eles defendem a ampliação do setor privado na prestação de serviços de saúde, ao enfatizar o papel regulador e financiador do Estado, incentivando-o a repassar recursos para “qualquer entidade” prestar os serviços de saúde (Cf. Banco Mundial, 1991, p.117). Justifica a defesa da participação da rede privada por sua maior eficiência e melhor qualidade dos serviços prestados,[17] pois, segundo o Banco “[...] os serviços prestados pelas EMS[18] são comprovadamente superiores aos serviços públicos disponíveis [...]” (Banco Mundial, 1991, p. 119).
Estes documentos defendem também a redução dos recursos destinados à saúde, em coerência com as políticas de ajuste dos organismos financeiros internacionais que exigem corte de gastos públicos. Para o Banco “o Brasil já parece gastar, tanto nos serviços públicos de saúde como no total, proporção do PIB algo maior do que se deveria esperar de um país com o seu nível de renda per capita” (Banco Mundial, 1991, p.101).
A contra-reforma na área da saúde tem se dado no bojo das reformas empreendidas pelo governo brasileiro em atendimento às exigências dos organismos internacionais. Em 1995, foi elaborado um documento conjunto entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado - “Sistema de Atendimento de Saúde do SUS” - que sintetiza a proposta de reforma para este setor, em consonância com o documento elaborado pelo Banco Mundial de 1995 “A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no Brasil: uma agenda para os anos 90”. O documento deixa claro o novo papel regulador atribuído ao Estado que deverá concentrar esforços apenas “no financiamento e no controle desses serviços ao invés do seu oferecimento direto”.
Outro documento produzido pelo Ministério da Saúde que expõe diretrizes políticas para a saúde em conformidade com as recomendações do Banco Mundial é o “Informe sobre a Reforma do Setor Saúde no Brasil”, apresentado na reunião especial sobre Reforma Sectorial en Salud, promovida pela OPAS, BID e Banco Mundial, em setembro de 1995.[19] O Ministério da Saúde compromete-se, neste documento, a modificar as bases organizacionais do sistema de saúde nacional com: a organização de um sistema assistencial privado, devidamente regulamentado; o funcionamento competitivo dos subsistemas público e privado, estimulador da qualificação com redução de gastos; a adoção de modelos técnico-operacionais inovados e inovadores; o estabelecimento de um sólido e inovado sistema de acompanhamento, controle e avaliação (BRASIL, 1995a, p.16).
O terceiro documento elaborado pelo Banco Mundial para orientar a política de saúde brasileira, é de fevereiro de 2007, “Governança do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro: Fortalecendo a Qualidade do Investimento Público e da Gestão de Recursos”. Expõe avaliações e propostas para “aumentar a qualidade da gestão e racionalizar o gasto público” do SUS.
Esse documento destaca que “muitos dos desafios enfrentados pelo setor saúde estão ligados as falhas de governança”, ou seja, a “a falta de incentivos e de accountability que garantem que os serviços sejam viáveis financeiramente e que sejam de qualidade aceitável, sendo dois fatores essenciais para o fortalecimento do status da saúde” (Banco Mundial, 2007, p.01).
Aponta como estratégias para o “aprimoramento da governança e do uso dos recursos públicos” seis “ações corretivas” que têm como eixo central a “Gestão voltada para Resultados”, quais sejam: Autonomia organizacional; Fortalecimento da capacidade gerencial; Contratos de Gestão; Simplificação de repasses federais; Monitoramento e avaliação de impacto; e Alinhamento de processos de planejamento, orçamento e monitoramento (Banco Mundial, 2007, p.78). Articuladas a essas “ações corretivas” expõe seis “recomendações”.
O tecnicismo dos argumentos apresentados neste documento omite a pungente questão política que está posta, a “busca pelo desempenho” é a chave, não importando se implica em privatização. A ênfase dada à necessidade de desenvolver e implementar maior autonomia e accountability (autoridade para gerenciar recursos) às unidades de saúde aponta para “vários modelos de gestão autônoma [...] tais como o modelo das Organizações Sociais, entre outros” (Banco Mundial, 2007, p.79). Está explicitado o teor de desresponsabilização do Ministério da Saúde na execução direta dos serviços de saúde contido no documento, através de contratos de gestão, passando este a ser coordenador desses serviços monitorando e avaliando o desempenho e os resultados do “compromisso de gestão” firmado com prestadores públicos ou privados de saúde.
O documento apresenta princípios norteadores para que o SUS tenha maior autonomia e accountability, os quais reforçam a referida desresponsabilização. O primeiro é a “gestão autônoma nas unidades maiores, principalmente os grandes hospitais de referência” (Banco Mundial, 2007, p.78). Esses serviços teriam “autonomia plena para administrar e aplicar seus recursos físicos e humanos, devendo apenas seguir as políticas de saúde do SUS e cumprir um conjunto de metas previamente definidas”, a exemplo das Organizações Sociais já adotadas em várias partes do país (idem, p.79). O segundo princípio é a “gestão descentralizada nas unidades menores”. Esta “descentralização poderia transformar unidades de saúde e/ou órgãos regionais em unidades orçamentárias, dotadas de seu próprio orçamento” (BM, 2007, p. 78-79).
            A proposta é de repasse da gestão do SUS para outras modalidades de gestão não estatais, através dos contratos de gestão, mediante transferências de recursos públicos. Está posto um processo de privatização fundamentado em uma suposta avaliação da “ineficiência” e da “baixa qualidade de serviços” do SUS, em que a saída principal apresentada é “aplicar mecanismos para fortalecer a accountability, tais como contratos de gestão que obrigam os gestores a enfocar metas específicas e resultados mensuráveis” (BM, 2007, p. 07). Segundo este documento

a chave para o sucesso da gestão autônoma ou descentralizada é um compromisso de gestão, que define claramente a accountability e os poderes da unidade, as metas a serem alcançadas e as atividades a serem desenvolvidas, as necessidades de recursos, critérios claros para a avaliação do desempenho da unidade, e as penalidades para o não cumprimento de objetivos. O compromisso de gestão tem sido utilizado, sobretudo em modelos de gestão autônoma ou privada. Contudo pode ser utilizado em modelos de gestão descentralizada na área da administração direta, desde que as unidades tenham um grau suficiente de autonomia gerencial e financeira para poderem ser responsabilizadas por seu desempenho (BM, 2007, p. 79-80).
  
Nada de novo se comparado ao processo de reforma implementado no governo de Fernando Henrique Cardoso no seu Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, quando instituiu, pela Lei 9.637/98, as Organizações Sociais, os Contratos de Gestão e o Programa Nacional de Publicização, além das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) pela Lei 9.790/99. Trata-se do detalhamento para operacionalização em maior proporção na área da saúde do que já estava contemplado nos documentos anteriores do Banco Mundial e do MARE e Ministério da Saúde, principalmente os de 1995, que estavam relacionados mais diretamente com a contra-reforma do Estado brasileiro.  
Os problemas identificados no documento “estão relacionados com a governança, a organização e o funcionamento do setor público em geral” (BM, 2007, p.77), o que vai exigir mudanças de natureza maior. Talvez por isso que no mês de maio de 2007, encontrava-se disponível para acesso público, no sítio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, um conjunto de documentos sobre Fundações Estatais, os quais retratavam conclusões similares às elaboradas pelo referido documento elaborado pelo Banco Mundial.[20] E, pouco tempo depois, em 13/07/2007, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº 92/2007 que cria Fundações Estatais com personalidade jurídica de direito privado, para desenvolverem atividades nas áreas da educação, assistência social, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente, cultura, desporto, comunicação social, entre outras. Este Projeto das Fundações Estatais[21], caso seja aprovado, consolida a contra-reforma do Estado brasileiro iniciada nos governos anteriores, facilitando ainda mais a alocação de recursos públicos em setores não exclusivos do Estado.
O eixo da proposta das Fundações Estatais é o contrato de gestão. Nesta perspectiva, as instâncias centrais de gestão do SUS “coordenarão as fundações”. O Estado deixa de ser o executor direto dos serviços de saúde e passa a ser o coordenador desses serviços prestados pelas fundações, mediante repasse de recursos públicos. A privatização acontece exatamente neste repasse de recursos públicos para setores não exclusivos do Estado.  O projeto das Fundações Estatais está alinhado às orientações do Banco Mundial para a política de saúde brasileira, compondo assim o quadro das contra-reformas do Estado brasileiro que favorece o projeto do grande capital. Será que os novos recursos para a saúde garantidos com a regulamentação de Emenda Constitucional n. 29 já têm destino certo? Serão repassados para as fundações através dos contratos de gestão? Quem de fato ganhará com isso?
Destaca-se que apesar do Projeto de Lei da Fundação Estatal está em discussão na Câmara dos Deputados, três estados já aprovaram a sua criação - Bahia, Sergipe e Rio de Janeiro. A lógica deste projeto vem referendada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Saúde, ou Programa Mais Saúde, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 05 de dezembro de 2007, o qual propõe um novo modelo de gestão em que

o setor saúde consolida-se como um campo gerador de empregos, renda e de divisas, através do esforço de indução do Governo e engajamento da iniciativa privada [...] Não basta acrescentar mais recursos para a prestação de serviços sem uma mudança nos processos de gestão das redes e unidades assistenciais. Mais Saúde inova ao propor novos modelos de gestão como as fundações estatais de direito privado.[22]



As tendências da contra-reforma na Política de Saúde Brasileira


As contra-reformas implementadas a partir da segunda metade da década de 90 em consonância com as orientações do BM, estão ancoradas na necessidade de limitação das funções do Estado, e vão demandar da política de saúde brasileira (Cf. CORREIA, 2005):
1) O rompimento com o caráter universal do sistema público de saúde, ficando este encarregado apenas de prestar atendimento aos mais pobres que não podem pagar pelos serviços no mercado, através de um modelo assistencial baseado na oferta da atenção básica e na racionalização da média e da alta complexidade.
O modelo assistencial preconizado pelo BM está centrado na atenção básica. Nesta perspectiva, são esses serviços que devem ser universalizados, combinados com a “racionalização” ao atendimento hospitalar.[23] Configura-se, assim, a seletividade e a focalização da assistência à saúde. O Estado se encarrega da parte não lucrativa dos serviços de saúde, que não interessa ao capital, ao tempo que a rede privada especializa-se na alta complexidade[24].
Em vez do princípio da universalização, propõe-se a “cobertura universal da atenção básica”. Ressalta-se ainda que, a dicotomia entre as ações médico-hospitalares e as ‘básicas’, se constitui um retrocesso ao princípio da integralidade, indo de encontro ao modelo assistencial preconizado pelo SUS.
2) A flexibilização da gestão dentro da lógica custo/benefício, privatizando e terceirizando serviços de saúde, com repasse de serviços e recursos públicos para as Organizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs, Fundações de Apoio e Cooperativas de profissionais de medicina, além da implantação de duplo acesso em hospitais públicos e de mecanismos de co-pagamento. Bem como, precarizando o trabalho em saúde, através das formas flexíveis de contratação. Neste sentido, o atual governo está propondo a criação das referidas Fundações Estatais de direito privado.
Os processos de reforma administrativa na saúde não foram implantados de forma global, mas de modo fragmentado e localizado, devido às resistências da estrutura organizacional que prevaleceram no SUS, até o momento. Entretanto, os processos de flexibilização da gestão na área da saúde têm crescido dentro do SUS[25]. Soares (2000, p. 23) vai denominar este processo, de privatização “por dentro” do setor público, com a introdução da lógica mercantil no interior dos serviços públicos, privilegiando a “microeconomia” do custo/benefício em detrimento da qualidade dos serviços. Nesse tipo de privatização são transferidas apenas funções de gerenciamento e/ou administração dos serviços, subsidiadas com recursos públicos. O Estado mantém sua função de financiador dos serviços, ao tempo que perde o controle sobre a qualidade dos serviços prestados.
3) O estímulo à ampliação do setor privado na oferta de serviços de saúde. A orientação do BM às novas formas de gestão da saúde priorizando o custo/benefício, esteve associada ao incentivo à participação da iniciativa privada na oferta de serviços de saúde. As propostas do Banco para a ação estatal estão reduzidas a programas destinados às populações mais pobres, desenvolvendo ações de promoção e prevenção da saúde, que tenham custos reduzidos, ficando o restante por conta do mercado, e o acesso de acordo com a capacidade de compra de cada indivíduo.
Observa-se que houve um expressivo aumento do sistema de planos e seguros privados de saúde. O número de operadoras de planos e seguros de saúde quase triplicou entre 1987 e 1998 e o número de clientes cresceu cerca de 70%. Além de ter havido um crescimento de clínicas e laboratórios populares, indicando que o desembolso direto por populações mais pobres está crescendo (SANTOS & GERSCHMAN, 2004).
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anuncia que houve um crescimento no número de usuários de planos de saúde de 38,6 milhões para 44,7 milhões em quatro anos (2002 a 2006), mas ressalta que 4,0 milhões desses novos usuários são exclusivamente ligados a planos odontológicos. Noronha & Soares (2001, p.4) destacam os limites da expansão da demanda dos seguros privados, os quais são de natureza estrutural e financeira própria dos países latino-americanos, devido à renda da classe média que “vem empobrecendo a olhos vistos”.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política de saúde brasileira vem sendo tensionada por dois projetos que representam interesses antagônicos. O projeto do capital, que defende as reformas recomendadas pelo Banco Mundial e o projeto de setores progressistas da sociedade civil que defendem o SUS e seus princípios, integrantes da proposta da reforma sanitária. Este último projeto tem sido defendido por segmentos dos movimentos populares e sindicais, e instituições acadêmicas como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) que, articulados no Movimento de Reforma Sanitária nos anos 80 e 90 conseguiram incorporar formalmente parte de sua proposta na legislação do SUS. Além das entidades de representação dos gestores - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS).
Ressaltamos, porém, que tanto os segmentos da sociedade civil como as representações acadêmicas e de entidades dos gestores não constituem blocos homogêneos. Apesar de todos terem um discurso em defesa do SUS, existem grandes diferenças na sua concepção, principalmente, quanto à universalidade, à relação público/privado, à forma de descentralização e de participação da sociedade e ao modelo de assistência à saúde.  Um exemplo dessas diferenças, mesmo entre aqueles que dizem defender o SUS, tem sido os posicionamentos a favor das Fundações Estatais de Direito Privado por parte de vários nomes da academia e da militância na saúde, considerados históricos do movimento da reforma sanitária.
O outro projeto é apoiado pelo setor privado, pelos donos de hospitais, diretores dos hospitais filantrópicos e beneficentes, grupos privados de saúde, indústrias farmacêuticas e de equipamentos nacionais e internacionais, organizados na Federação Brasileira dos Hospitais (FBH), na Confederação das Misericórdias do Brasil, na Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), e no Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo (Sinamge), com aliados no governo e na burocracia estatal, e tem conseguido, em parte, influenciar a política de saúde.
 Vários autores[26] vêm identificando os projetos em disputa para dar o tom da política nacional de saúde. Segundo Campos (1992, p.19), há uma contradição central no processo nacional de reforma sanitária: uma dominância do projeto neoliberal no dia-a-dia da ação governamental, apesar da determinação legal apontar para outro sentido. Esta ação segue as recomendações de organismos financeiros internacionais para as políticas sociais: privatização, contenção de gastos através de medidas que promovam austeridade e seleção de demandas (Cf. CAMPOS, 1992, p.19).
O tensionamento entre o projeto do capital e dos setores progressistas da sociedade tem desenhado a política de saúde brasileira, pois existem resistências políticas ao primeiro projeto. Assim, embora paire a ameaça sobre o caráter público e universal do SUS, tem-se aglutinado setores progressistas da sociedade para sua defesa, nas seguintes instâncias de participação social: Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais de Saúde, Plenárias Nacionais de Conselheiros de Saúde e em alguns Conselhos de Saúde das três esferas de governo, em especial no Conselho Nacional de Saúde.
Esta tensão também tem se revelado em relação a proposta das Fundações Estatais de Direito Privado, em que de um lado, setores organizados na sociedade civil conseguiram aglutinar forças dentro do Conselho Nacional de Saúde, fazendo com que este se posicionasse contrário ao projeto de lei que visa instituir esta proposta, na sua 174ª reunião em 13 de junho de 2007, ao tempo que este posicionamento foi referendado em todos os grupos e na plenária final da XIII Conferência Nacional de Saúde, realizada de 14 a 18 de novembro de 2007. Entretanto, o Ministério da Saúde não tem levado em conta estes posicionamentos representativos e legítimos do ponto de vista da democracia, pelo contrário, tem reforçado seu projeto de repasse da gestão do SUS para setores não estatais, ao lançar o PAC da Saúde, através do Programa Mais Saúde, o qual propõe “novos modelos de gestão como as fundações estatais de direito privado”. Vale destacar, que todo o discurso governamental contido neste programa é sustentado na garantia pelo Estado brasileiro “a todos o direito constitucional à saúde”.
Ao final, faz-se necessário retomar os primórdios da Reforma Sanitária Brasileira: mudanças na área da saúde articuladas às transformações societárias. Mais que isso, é necessário fortalecer a articulação das forças políticas que representam os interesses das classes subalternas em torno de um projeto para a sociedade, que tenha como horizonte o rompimento com os organismos financeiros internacionais e com a lógica a que estes servem e reproduzem, a lógica do capital, com vistas a uma nova sociabilidade.

Referências Bibliográficas


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BRAVO, Maria Inês Souza & MATOS, Maurílio Castro de. A Saúde no Brasil: Reforma Sanitária e Ofensiva Neoliberal. In: BRAVO, Maria Inês Souza; Potyara Amazoneida Pereira (Org.). Política social e democracia. São Paulo: Cortez, Rio de Janeiro:UERJ, 2002.

BEHRING, Elaine Rosset. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.

BORÓN, Atilio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In: SADER, E. & GENTILI, P. (Orgs.). Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia? Petrópolis, RJ:Vozes, 1995.

CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Reforma da Reforma: repensando a saúde. São Paulo: HUCITEC, 1992.


[1] Professora Doutora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas.
[2] Também denominado Movimento de Reforma Sanitária que, inspirado no modelo italiano, buscava um projeto para a saúde baseado nos princípios de universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social. Este movimento nasce sob o regime autoritário, na segunda metade da década de 70, articulado ao Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) reunindo profissionais, intelectuais e lideranças políticas do setor saúde, vindos, na maioria, do Partido Comunista Brasileiro. Representava um foco de oposição ao regime militar buscando a transformação do setor saúde, pressupondo a democratização da sociedade.
[3] Denominadas contra-reformas pelo seu caráter regressivo do ponto de vista da classe trabalhadora. Na realidade, são as contra-reformas do Estado exigidas pelos programas de ajustes macroeconômicos propugnados pelos agentes financeiros internacionais. Behring (2003) utiliza este termo para tratar do processo de "desestruturação do Estado e perda de direitos” no Brasil a partir da década passada.
[4] Para aprofundar os conteúdos apresentados neste artigo, ver tese de doutorado de Correia (2005).
[5] Chesnais (1996) coloca que a fase da mundialização do capital foi antecedida por duas outras fases, o imperialismo e o período fordista. "A expressão mundialização do capital é a que corresponde mais exatamente à substância do termo inglês globalização, que traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista, voltado para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta própria, um enfoque de conduta global" (idem, p.17).
[6] Cf. CHESNAIS, 1996, p. 14-15.
[7] Cf. CHESNAIS, 1999, p.28 e 2007, p.58.
[8] As “condicionalidades” são as condições exigidas em termos de políticas econômicas que garantam aos credores internacionais o pagamento dos compromissos assumidos. Os recursos vão sendo liberados mediante o cumprimento dessas, que passam a moldar toda a política nacional. As exigências são em torno de um ajuste fiscal capaz de gerar superávits primários para garantir o pagamento da dívida.
[9] Segundo Harvey, o capital financeiro passou ao “centro do palco na fase da hegemonia norte-americana, tendo podido exercer certo poder disciplinador tanto sobre os movimentos da classe operária como sobre as ações do Estado, em particular quando e onde o Estado assumiu dívidas de monta” (2005, p. 59).
[10] De acordo com Borón (1995, p.102), as “instituições financeiras internacionais’, eufemismo para se referir ao BM e ao FMI, recomendam calorosamente umas políticas que geram pobreza e exclusão social e, ao mesmo tempo, encomendam numerosas pesquisas sobre o tema e manifestam sua consternação pelo agravamento do flagelo da pobreza na América Latina.”
[11] Expressão utilizada por Mota (1995).
[12] Estatísticas revelam que, no mundo, consome-se com serviços de saúde em torno de US$ 1,7 trilhão (dados da dec. de 90), ou seja, 8 % do produto total mundial, em uma faixa que vai de 4% do PIB nos países ‘em desenvolvimento’ a 12 % do PIB nos países desenvolvidos de alta renda, significando um mercado nada desprezível para o investimento do capital e sua valorização (Rizzotto, 2000, p.119-122).
[13] Este consenso foi resultado de um importante evento internacional na área de saúde, a Conferência de Alma-Ata, promovido pelas agências de cooperação do sistema das Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em 1978, onde se afirmou a “importância das estratégias de expansão dos cuidados primários de saúde, a serem conduzidas com ampla participação do Estado” (Mattos, 2001, p.09).
[14] Ver a linha de argumentação deste documento para justificar a redução da atuação do Estado em Mattos, 2000, p. 243-270. O argumento parte da distinção entre bens públicos e bens privados, dividindo os serviços de saúde entre serviços que trazem benefícios para toda a sociedade e os que trazem benefícios para os indivíduos. Opera a divisão dos serviços básicos destinados para os mais pobres e os serviços assistenciais convencionais (predominantemente hospitalares) para os mais ricos (Cf. Mattos, 2000, p. 264-265).
[15] Este Relatório apresenta um diagnóstico geral sobre a saúde em nível mundial, destacando a realidade dos países “em desenvolvimento”, e “propõe um projeto detalhado para a reforma dos sistemas de saúde destes países, sinalizando o interesse em financiar projetos específicos, especialmente aqueles destinados às reformas das políticas deste setor” (Rizzotto, 2000, p.119).
[16] Encontro convocado pelo Institute for International Economics que aconteceu na capital dos Estados Unidos em 1989, com a participação de funcionários do governo norte –americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados – FMI, Banco Mundial e BID – e especializados em assuntos latino-americanos. Teve como objetivo proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região, reafirmando a proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha recomendando, por meio dos referidos organismos, como condição para cooperação financeira externa. Registrou-se um consenso sobre as reformas já realizadas ou iniciadas na América Latina com exceção, até aquele ano, do Brasil e Peru.

[17] Cf. Rizzotto (2000, p. 155).
[18] As Entidades de Manutenção de Saúde – EMS são todas as formas de planos de saúde em grupo e as cooperativas médicas.   
[19] Rizzotto (2000, p. 200) chama a atenção de que este “Informe sobre a Reforma do Setor Saúde no Brasil” foi elaborado e apresentado no momento em que o Brasil negociava com o BID e o BIRD os empréstimos destinados ao Projeto REFORSUS.
[20] Cf. Granemann (2007).
[21] Ver análise das Fundações Estatais de direito privado em publicação recente: BRAVO, Maria Inês Souza [et al.] Política de saúde na atual conjuntura: modelos de gestão e a agenda para a saúde. 1ª ed., Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius, 2007.
[22] PAC Saúde – Mais Saúde – Direito de Todos / Portal do Ministério da Saúde.
[23] Existe uma relação de interdependência entre o SUS e a rede privada, principalmente, em relação aos serviços de internação, ao tempo em que 66% do total de leitos hospitalares vinculados ao SUS são privados, do total de estabelecimentos privados que têm serviços de internação 68,9% são conveniados ao SUS (IBGE, 1999). Este dado demonstra que um percentual alto da rede privada de internação depende do repasse de recursos públicos para manter-se. Esta interdependência implica em um repasse de um volume significativo de recursos públicos para a rede privada.
[24] Entre maio de 2002 e abril de 2003, a rede pública realizou 82% dos procedimentos ambulatoriais do SUS, enquanto a rede privada realizou 14% e a rede universitária 4% (Datasus, 2003). Enquanto que, no mesmo período, dos procedimentos de alta complexidade, 84% foram realizados na rede privada, 8% na pública e também 8% na universitária (Datasus, 2003). O Estado brasileiro vem priorizando a atenção básica, através de uma política de indução financeira – PAB variável, PACS e PSF, ao tempo que a rede privada especializa-se na alta complexidade subsidiada com recursos públicos, através da compra de seus serviços (rede conveniada), e do financiamento das suas ações pelo Fundo de Ações Estratégicas e Compensações (FAEC), criado em 1999.
[25] A pesquisa realizada em 1999, na região metropolitana do Rio de Janeiro e São Paulo por Costa, Ribeiro & Silva (2000), mostra que dos 23 hospitais pesquisados na região metropolitana do Rio de Janeiro e São Paulo, 47% utilizaram alguma forma de flexibilização administrativa, 30% tiveram receitas complementares aos recursos que receberam do tesouro público, e 21% receberam essas receitas através de convênios com provedores ou seguradoras privadas, caracterizando um duplo acesso de pacientes aos serviços hospitalares.
[26] Entre estes Bravo & Matos (2002).

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