segunda-feira, 23 de agosto de 2010

1º Encontro Nacional dos Estudantes Antimanicomiais - MAIORES INFORMAÇÕES!


O Espaço Saúde – Coletivo dos estudantes da Saúde convida a todos os estudantes para as oficinas de divulgação do I ENCONTRO NACIONAL DOS ESTUDANTES ANTIMANICOMIAIS. Há algum tempo o Movimento Estudantil da área da saúde da UFMG está junto ao Movimento da Luta Antimanicomial de Belo Horizonte debatendo a construção de uma Sociedade sem Manicômios. Em Setembro de 2009 fomos à Brasília debater junto aos usuários da saúde mental a efetivação de uma Reforma Psiquiátrica Antimanicomial no Brasil. Desde então construímos o I Encontro Mineiro dos Estudantes Antimanicomiais e agora estamos nos organizando para nos fazer presente neste evento nacional que acontecerá de 04 a 07 de Setembro de 2010 em Porto Alegre.

O Espaço Saúde está organizando um ônibus que saíra de BH para Porto Alegre.
Entre em contato com a gente!

Faremos uma reunião de divulgação e organização que será quarta-feira, dia 25/08/10, 18:30 na Arena da Fafich (Campus Pampulha da UFMG).

É muito importante a participação de todos os interessados em ir ao Encontro!


Maiores Informações: 

E nos telefones:
3409 2543 – DAICB
8438 3767 – Isabela
8317 1746 –  Áquila

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Os Hospitais Universitários e sua crise!

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O controle social na política de saúde brasileira frente às orientações dos organismos financeiros internacionais

O controle social na política de saúde brasileira frente às orientações dos organismos financeiros internacionais

Introdução
O presente trabalho apresenta os resultados do estudo acerca do posicionamento do Conselho Nacional de Saúde, enquanto mecanismo político de controle social, sobre a política nacional de saúde, frente às condicionalidades dos organismos financeiros internacionais às políticas estatais, observando a relação entre as lutas políticas desse Conselho em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e de seus princípios e a contra-reforma imposta por esses organismos na determinação da política de saúde brasileira, durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002).
Partiu-se do pressuposto de que as condicionalidades e, conseqüentes reformas impostas ao rumo da política de saúde pelos organismos financeiros internacionais no contexto de ajuste neoliberal são implementadas, com maior ou menor intensidade, de acordo com os processos políticos existentes em cada realidade histórica concreta. Não existe um automatismo econômico nessa implementação, por causa das reações no campo político que conformam um processo de correlação de forças entre os interesses de classes antagônicos nas conjunturas que atualizam a totalidade social e se expressam no Estado e na sociedade civil.
Na política de saúde brasileira, a expressão controle social foi concebida como participação da sociedade na definição desta política, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, conforme a Lei 8.142/90. A atuação do Conselho Nacional de Saúde, enquanto mecanismo político formal de controle social, frente à influência do Fundo Monetário Internacional (FMI) e, principalmente, do Banco Mundial (BM) na política de saúde brasileira foi tomada como objeto de estudo, observando a relação entre as lutas políticas do CNS em defesa SUS e as condicionalidades dos organismos internacionais na determinação da política de saúde brasileira. Para tanto, foi utilizada a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental.

O Controle Social na relação Estado e Sociedade Civil

Para tratar o CNS enquanto instância política de controle social foi necessário qualificar este controle através de um estudo aprofundado da relação entre Estado e sociedade civil. A concepção de Estado e sociedade civil adotada foi fundamentada em Gramsci (1999 e 2000), a qual dá suporte a toda apreensão das relações entre as classes presentes no CNS e ao controle social existente nesse espaço.
O pensamento de Gramsci tem como eixo de análise da realidade o princípio da totalidade em que subverte os princípios do determinismo econômico, do politicismo, do individualismo e do ideologismo, e estabelece uma articulação dialética entre estrutura e superestrutura - economia, política e cultura - concebendo a realidade como síntese de múltiplas determinações.
A sociedade civil enquanto integrante da totalidade social tem um potencial transformador, pois nela também se processa a organização dos movimentos sociais que representam os interesses das classes subalternas na busca da “direção político-ideológica”. Ela não é homogênea, nela circulam os interesses de classes antagônicos que compõem a estrutura social (CORREIA, 2005a). 
A partir do referencial teórico de Gramsci em que não existe uma oposição entre Estado e sociedade civil, mas uma relação orgânica já que a separação é apenas metodológica, a oposição real se dá entre as classes sociais. Assim, pode-se inferir que o controle social acontece na disputa entre essas classes pela hegemonia na sociedade civil e no Estado. Somente a devida análise da correlação de forças entre as mesmas, em cada momento histórico, é que vai avaliar que classe obtém o controle social sobre o conjunto da sociedade (CORREIA, 2006). Assim, o controle social é contraditório – ora é de uma classe, ora é de outra – está balizado pela referida correlação de forças. Ressalta-se, porém, que na ordem burguesa há um predomínio do controle social da classe economicamente dominante.
O controle social na perspectiva das classes subalternas visa a atuação de setores organizados na sociedade civil que as representam, na gestão das políticas públicas no sentido de controlá-las para que atendam, cada vez mais, às demandas e aos interesses dessas classes. Neste sentido, o controle social envolve a capacidade que as classes subalternas, em luta na sociedade civil, têm para interferir na gestão pública, orientando as ações do Estado e os gastos estatais na direção dos interesses destas classes, tendo em vista a construção de sua hegemonia (CORREIA, 2005).
A partir desta concepção de controle social, buscou-se apreender o sentido político predominante no Conselho Nacional de Saúde (CNS), - enquanto instância deste controle - para dar o rumo da referida política em âmbito nacional: se, a efetivação do SUS com acesso universal, público e de qualidade, ou a tendência - coerente ao ajuste neoliberal exigido pelos organismos financeiros internacionais – de quebra da universalidade; de focalização e seletividade da assistência à saúde; de privatização dos serviços de saúde via terceirização, delegação e/ou parcerias; e de mercantilização da saúde, facilitando a participação do setor privado na prestação desses serviços. A seguir será contextualizada a influência dos referidos organismos na política de saúde brasileira.

A influência dos organismos financeiros internacionais na política de saúde brasileira

O processo de financeirização do capital, representado por um novo estilo de acumulação na fase da “mundialização do capital”[1] é colocado pelas “novas formas de centralização de gigantescos capitais financeiros (os fundos mútuos e fundos de pensão)” que, através dos títulos e da rentabilidade aliada à liquidez, têm a função de frutificar principalmente no interior da esfera financeira. É esta que comanda, cada vez mais, a repartição e a destinação social da riqueza criada na produção a partir da combinação social de formas de trabalho humano[2].
Segundo Chesnais (1996, p.15), a dinâmica do crescimento desta esfera se alimenta de dois tipos de mecanismos, os primeiros se referem à formação de capital fictício e os outros se baseiam em transferências efetivas de riquezas para a esfera financeira, tendo como meio mais importante o serviço da dívida pública e as políticas monetárias associadas a este. Esse processo traz como conseqüência para os países periféricos um “nível de endividamento dos Estados perante os grandes fundos de aplicação privados (os ‘mercados’) deixa-lhes pouca margem para agir senão em conformidade com as posições definidas por tais mercados” (idem, ibidem).
O poder do capital financeiro é defendido pelas instituições financeiras internacionais que, representando os interesses dos Estados mais poderosos do mundo,[3] pressionam os demais Estados nacionais a adotarem políticas de liberalização, desregulamentação e privatização, impondo reformas políticas, econômicas e sócio-culturais, as quais vão ter implicações na soberania dos Estados-nação que a estas aderirem, mediante as condicionalidades de suas políticas internas e externas.
A subalternidade aos organismos financeiros internacionais foi uma opção[4] da política governamental brasileira, tornando a política estatal cada vez mais refém desses organismos, trazendo como conseqüência uma gama de contra-reformas do ponto de vista da classe subalterna.
Na área da saúde houve um protagonismo do Banco Mundial que remonta à década de 80, período em que as instituições financeiras internacionais – FMI e BM - passaram a ter um papel importante no processo de internacionalização do capital frente à crise da dívida externa nos países devedores e à retração dos bancos privados internacionais na concessão de empréstimos. Uma série de condicionalidades é imposta por estas instituições para a liberação de recursos, e o seu cumprimento garantiria o pagamento dos juros e serviços da dívida. A contratação de empréstimos pelos países dependentes dá-se mediante a viabilização do ajuste estrutural e de reformas nas políticas estatais, no sentido de diminuir a área de atuação do Estado e de ampliar a esfera de atuação do setor privado, inclusive na produção de serviços coletivos, entre os quais, os de saúde.
Os reflexos das orientações do BM na política de saúde brasileira no período recortado, têm se dado através: dos projetos financiados por este Banco; da implantação de novas formas de gestão na saúde que desvirtuam o modelo de gestão do SUS e seu caráter público; da tendência de divisão na prestação dos serviços de saúde, ficando a baixa complexidade na rede pública e a média e a alta na rede privada, e tendo como conseqüência a restrição do acesso a essa última e a quebra da integralidade da assistência; da indução financeira para expansão da rede básica, a qual tem provocado um processo de recentralização desta política na esfera federal; do PSF como estratégia de universalização da rede básica por meio de uma política focalizada e seletiva, trazendo como conseqüência a quebra da universalidade da assistência à saúde; da ampliação da rede privada na prestação dos serviços de saúde como resultado do processo de “universalização excludente”; e da criação das agências de regulação, que tem como conseqüências o desempenho do Estado como regulador do mercado dos serviços de saúde para corrigir distorções, e a naturalização do cidadão como consumidor (CORREIA, 2005a).
Estas orientações se confrontam com o assegurado legalmente para a saúde na Constituição de 88 e nas Leis Orgânicas, resultando no tensionamento de dois projetos para a saúde na década de 90: um voltado para a consolidação de um sistema público de saúde - o SUS, defendido pelos setores progressistas da sociedade, e outro voltado para o mercado, que tem se constituído em uma contra-reforma no sentido de perdas ao garantido na forma da lei.
Partindo do pressuposto de que a implementação ou não das contra-reformas colocadas pelos organismos financeiros internacionais dependem da correlação de forças entre os interesses das classes antagônicas em cada realidade social, situamos os mecanismos de controle social na saúde – Conferências e Conselhos – como espaços de resistência às referidas contra-reformas, em especial, o Conselho Nacional de Saúde, responsável pelo controle social sobre a política nacional de saúde e, conseqüentemente, pelo seu rumo, já que tem a atribuição formal de atuar na “formulação e controle da execução da política de saúde em âmbito federal,”[5] inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros.
Ao tomar o referencial de Gramsci de que não existe antagonismo entre Estado e sociedade civil, mas uma contraposição entre as classes antagônicas no todo social, pode-se afirmar que o controle social é das classes sociais e depende da correlação de forças em cada realidade concreta. Por isso, se fez necessário o detalhamento da dinâmica interna do CNS, para se verificar a correlação de forças entre os conselheiros ao defenderem suas propostas, identificando os interesses que cada segmento representado defende.

O posicionamento do Conselho Nacional de Saúde frente às orientações dos organismos financeiros internacionais à política de saúde

A partir de uma pesquisa documental[6] ao material produzido pelo Conselho Nacional de Saúde, no período de janeiro de 1995 a dezembro de 2002, foi analisado o posicionamento do CNS sobre cada tema eleito[7], examinando o sentido político predominante: resistência às orientações do Banco Mundial à política nacional de saúde, com a defesa do SUS e de seus princípios, ou ratificação dessas orientações. Ao tempo em que se verificaram os interesses de classe que têm se sobreposto no espaço do Conselho.
Observou-se no CNS que mesmo entre os segmentos que representam a sociedade civil organizada, existe uma representação de interesses opostos, pois, tanto estão presentes desde a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Conselho Nacional das Associações de Moradores (CONAM), como a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Estão presentes, também, as representações do setor privado: Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE), Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Associação Brasileira de Hospitais (ABH). Essa contradição expressa uma dinâmica relação de forças no interior do CNS para propor, ou aprovar/reprovar cada proposta apresentada. Constituiu-se em um espaço de luta de interesses contraditórios que expressaram os interesses de classe que circulam no conjunto da sociedade.
            Os conflitos presentes na arena do Conselho se dão entre os próprios conselheiros, na disputa pelos interesses de classe que representam. Estes conflitos expressam uma dinâmica relação de forças no interior do CNS para propor, ou aprovar e reprovar cada proposta apresentada. De um lado, se articulam os representantes dos empresários – Confederação Nacional da Indústria, Comércio, Agricultura e das Entidades Nacionais de Prestadores de Serviços de Saúde (privados e filantrópicos) – e, de outro lado, as representações de usuários (CUT, Entidades Nacionais de Patologia e Deficiência, Confederação Nacional das Associações de Moradores e CNBB) e dos trabalhadores da saúde (Entidades Médicas Nacionais e Entidades Nacionais de Outros Profissionais da Área da Saúde). Pode-se afirmar que os representantes destas últimas entidades mantiveram uma intervenção constante no Conselho em defesa dos interesses das classes subalternas.
Constatou-se que tanto os representantes do patronato - Confederação da Indústria, Comércio, Agricultura – como os das Entidades Nacionais de Prestadores de Serviços de Saúde (privados e filantrópicos), posicionaram constantemente nas reuniões do CNS a favor das reformas propugnadas pelo Banco Mundial. Sempre um dos conselheiros representantes destes segmentos posicionou-se a favor: da implantação de experiências de co-pagamento no SUS, apresentando-a como uma opção individual; da busca das novas formas de gestão no SUS, que tendem à privatização; da transformação da FUNASA em Agência de Execução, transferindo funções essenciais do Ministério da Saúde para esta. Ressalta-se que os representantes do Ministério da Saúde, ora acompanharam esses posicionamentos, ora se abstiveram nas votações. Os representantes do CONASS e do CONASEMS tiveram uma postura permanente de defesa do SUS. 
            Observou-se nas manifestações de contraposições de alguns conselheiros ao Ministério da Saúde, uma postura de independência em relação ao órgão gestor, e a exigência do respeito e cumprimento do controle social. Ressalta-se que os maiores protagonistas desta contraposição pertencem ao segmento de usuários e dos trabalhadores da saúde.
A seguir será apresentado o posicionamento do CNS, e os conflitos internos entre os segmentos nele representados, por temática relacionada ao objeto de estudo em pauta.

1.      Projetos financiados pelas Agências Financeiras Internacionais

Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil expandiu o volume de empréstimos junto ao BM, ficando entre os dez maiores prestatários do Banco. O Banco manteve oito projetos ativos de saúde durante os anos 90, entre os quais se destaca o Reforsus, aprovado em 1996, claramente voltado para proporcionar a reforma do setor saúde no Brasil, e dois Projetos que têm como principal propósito combater e controlar doenças transmissíveis, quais sejam o de Vigilância e Controle de Doenças – VIGISUS e o de Controle de AIDS e DST.
Observa-se que os projetos financiados pelo Banco Mundial, com exceção do VIGI/SUS, foram apresentados ao Conselho após já estarem em andamento. Os questionamentos levantados pelos conselheiros influenciaram na forma de aprovação dos mesmos ao exigirem que passassem pelas Comissões Bipartites e pelos Conselhos Municipais e Estaduais, possibilitando uma maior transparência na alocação de seus recursos e na sua implementação. Outro ponto levantado pelos conselheiros foi a solicitação de divulgação às camadas populares do material de prevenção da AIDS e de planilha de dados através da confecção de material apropriado. Nas reuniões do Conselho apareceram questionamentos sobre a compra de preservativos a empresas estrangeiras e também foram levantados questionamentos sobre a desarticulação do Reforsus com a estrutura do Ministério da Saúde.
As questões mais relacionadas diretamente ao conteúdo político do Reforsus foram feitas pelo conselheiro representante da CUT, exigindo o acesso ao Contrato efetuado entre o Banco Mundial e o Governo Brasileiro, a relação dos projetos aprovados por Estado, com os respectivos valores desembolsados e indagando sobre a mudança de tecnologia do Cartão sem justo motivo.  A atuação do CNS em relação aos projetos financiados pelo BM limitou-se ao acompanhamento das atividades já realizadas. Os conselheiros não participaram na definição dos projetos, nem mesmo foram consultados sobre a necessidade de realizá-los. Entretanto, a denúncia feita pelo conselheiro representante da CUT sobre a mudança para uma tecnologia estrangeira do Cartão-SUS que resultaria no encarecimento da mesma sem justificativa plausível por parte do Ministério da Saúde e o acompanhamento da implantação do Cartão SUS foi importante para evitar desperdícios de recursos com a compra de tecnologia estrangeira.
2. Reforma do Estado e Organizações Sociais
O CNS posicionou-se contrário à Reforma do Estado e seu reflexo no setor saúde, em 1996, um ano depois da publicação do primeiro documento do Ministério de Administração e Reforma do Estado (MARE) e Ministério da Saúde que tratava desta temática: “Sistema de Atendimento de Saúde do SUS”, solicitando ao Governo Federal a suspensão da aplicação da reforma neste setor.
No âmbito do CNS foi formado um Grupo de Trabalho sobre Reforma do Estado e sua influência no SUS, após manifestações de conselheiros favoráveis e contrárias à criação das Organizações Sociais na saúde. O primeiro relatório deste Grupo de Trabalho (GT), apresentado em maio de 1997, expôs argumentos contrários à implantação dessas Organizações e em defesa do SUS, ao considerar que o SUS já significa uma reforma no aparelho de Estado. Posteriormente, esse grupo passa a reunir-se com o MARE e a negociar modificações no Projeto de Lei que propunha a institucionalização das Organizações Sociais, demonstrando uma mudança na sua posição inicial, de rejeição ao mesmo. Este GT retoma seus trabalhos em março de 1999 e, em novembro deste mesmo ano, apresenta relatório que foi aprovado pelo CNS em que aceita as Organizações Sociais, com algumas restrições.
3. As novas formas de gestão na Saúde
O estímulo do Banco Mundial à reforma administrativa na área da saúde foi concretizado com a adoção de estratégias de flexibilização administrativa e inovações gerenciais através do repasse de serviços para as Organizações Sociais, Fundações de Apoio e de Cooperativas de profissionais de medicina, além da implantação de duplo acesso em hospitais públicos.
A Pesquisa realizada na região metropolitana do Rio de Janeiro e São Paulo por Costa, Ribeiro & Silva (2000) mostra as estratégias de flexibilização administrativa e as inovações gerenciais adotadas por algumas unidades de saúde a partir da agenda da reforma do aparelho de Estado na área de saúde.[8]
O CNS posicionou-se contrário ao duplo acesso aos Hospitais Públicos, considerando-o como mais uma medida de flexibilizar a gestão em busca de recursos adicionais, trazendo como conseqüência a “fila dupla” e o possível atendimento diferenciado entre os pacientes dos seguros de saúde e os não segurados e, ainda, a diminuição gradativa dos leitos disponíveis para estes últimos, invertendo a lógica da finalidade desses hospitais que é atender a todos usuários do SUS, sem discriminações. Esse Conselho aprovou a deliberação nº 6, de 6 de setembro de 2001, contrária a um Projeto de Lei que alterava a Lei 8.080/90 e possibilitava aos Hospitais Universitários captar recursos advindos do atendimento a usuários de planos de saúde.
            Observa-se, no período estudado, um posicionamento do CNS veementemente contrário às novas formas de gestão surgidas, que contrariam o modelo assistencial preconizado pelo SUS. As novas modalidades de gestão com tendências privatizantes repassam as responsabilidades do Estado e os recursos públicos para setores da sociedade por meio de terceirizações, parcerias e delegações.
            O Conselho rejeitou as experiências do Plano de Assistência à Saúde (PAS) de São Paulo, do Plano de Assistência Integral - Saúde (PAI-S) de Roraima, das Organizações Sociais do Pará, da terceirização dos hospitais do Rio de Janeiro, tomando medidas como: convidando secretários de saúde para prestar contas ao CNS das ações desenvolvidas; averiguando em loco os problemas causados pelos novos modelos; aprovando resoluções contrárias a tais “inovações” para suspender repasse de recursos do SUS e para propor Ação Civil Pública contra os governos que as estavam adotando; e publicizando tais fatos junto a outros setores da sociedade. Pode-se afirmar que estas ações contribuíram para que estas experiências retrocedessem.
            O CNS expressa a sua satisfação pelo fim do PAS em São Paulo e pelo retorno “à lógica do SUS, com o retorno do repasse de verbas ao Município e a recomposição democrática do Conselho Municipal de Saúde” através da Moção nº 001 do CNS de 8 de março de 2001. Ao tempo que “lamenta o período em que São Paulo afastou-se dessa lógica, mediante implantação do PAS, precarizando serviços e gerando inúmeras denúncias de corrupção” (Moção nº 001 do CNS, 8 de março de 2001). O CNS teve uma participação decisiva no retorno do modelo de gestão do SUS deste município.       

4. Cobrança “por fora” ou Co-pagamento

O co-pagamento foi uma das orientações do Banco Mundial aos países dependentes como estratégia de solucionar o financiamento da saúde pública. No Brasil, não houve alteração legal da garantia da “gratuidade” da saúde pública, mas existiram inúmeras denúncias da prática de cobrança nos estabelecimentos públicos. O CNS esteve sempre atento à garantia deste direito e às denúncias desta natureza. A Recomendação nº 003, de 28 de setembro de 1995, revela esta preocupação defendendo o assegurado legalmente, ou seja, “o dever do Estado em garantir o direito de acesso da população às unidades e serviços do Sistema Único de Saúde próprios, contratados e conveniados”.
O CNS provocou uma discussão nos Conselhos Estaduais e Municipais sobre o tema a partir da solicitação de propostas do levantamento de situações reais de cobrança “por fora” no SUS e de alternativas de controle destas situações. Esta foi uma estratégia importante para coibir tal prática recomendada pelo BM.

5. Modelo Assistencial centrado na atenção básica

O modelo assistencial preconizado pelo BM está centrado na atenção básica. Nesta perspectiva, são estes serviços que devem ser universalizados, combinados com a “racionalização” ao atendimento hospitalar.
Observa-se que a ênfase a atenção básica recomendada pelo Banco Mundial é assumida como prioridade no modelo de atenção à saúde implementado pelo Ministério da Saúde na segunda metade da década de 90, principalmente, a partir do ano de 1998 com a criação do Piso de Atenção Básica (PAB) e com a implantação da Norma Operacional Básica -NOB/SUS/96. Neste processo, há uma desarticulação entre a rede de atenção básica e a média e alta complexidade. Conforme pesquisa de avaliação da implementação do PSF em dez grandes centros urbanos brasileiros[9] o acesso demandado pelo atendimento deste Programa à média e à alta complexidade, poucas vezes ou nunca foram conseguidos.
O Estado vem priorizando a atenção básica, através de uma política de indução financeira – PAB variável, Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF). Entre o período de 1998 e 2001, enquanto os recursos destinados para a totalidade da Atenção Básica haviam sido ampliados em 86%, os recursos para o PSF aumentaram em 778%.[10]
Esta política de indução provocou um processo de recentralização da política de saúde local, restringindo a autonomia do município para alocar recursos conforme as necessidades locais. O Ministério da Saúde reproduziu do BM as condicionalidades para repasse de recursos, conforme a implantação de algumas políticas pré-definidas em nível federal.
Observa-se o empenho do Conselho para a efetivação da NOB/SUS/96, e por mais recursos para a sua operacionalização, posicionando-se contrário ao remanejamento de recursos da média e da alta complexidade na implantação do PAB, defendendo a integralidade do SUS, em contraposição às orientações do BM de “racionalização” do acesso ao atendimento hospitalar (alta complexidade) e da expansão, apenas, da rede básica de saúde. Seu posicionamento também foi contrário ao processo de recentralização do sistema de saúde ocorrido, através da definição do PAB variável pelo nível federal.
O CNS promoveu a Mesa-Redonda “O Modelo de Atenção Básica à Saúde e sua Implementação ao Nível Nacional”, cujo relatório apresenta sua preocupação com a desarticulação da atenção básica e os demais níveis de atenção, fazendo desta um “pacote isolado”. Os conselheiros expressaram sua rejeição à “cesta básica de saúde” do Banco Mundial, e criticaram o PACS e o PSF por ainda possuírem características de programas.
O CNS posicionou-se favoravelmente à ampliação da atenção básica, mas defendendo sua articulação com a média e alta complexidade, dentro das diretrizes da Equidade, Integralidade e Universalidade, negando a focalização.
6. Agências de Regulação e Organizações não estatais

A transferência de funções do Ministério da Saúde para agências reguladoras e executivas e organizações não estatais foi propugnada pelo Banco Mundial dentro da orientação de transferir funções do Estado para organizações ditas autônomas que funcionam mediante a utilização de recursos públicos.
No âmbito do Ministério da Saúde foram criadas duas agências reguladoras, a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, com o objetivo de regular os planos e seguros privados de saúde, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, com o objetivo de “promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária”.
Apesar do processo de criação da ANS não ter passado pelo CNS, este reafirmou o apoio ao exercício da competência reguladora do Ministério da Saúde através dessa Agência de proteção aos consumidores dos planos e seguros privados de saúde e aos usuários do SUS através da Moção nº 002, de 11 de 11 de 2000. Quanto à ANVISA, o seu papel foi discutido no Conselho depois da sua criação em duas reuniões consecutivas, maio e junho de 1999.
O CNS participou ativamente do processo de regulamentação anterior à criação da ANS, em que esteve em disputa dois projetos. Um apresentado pelo governo, que assegurava os interesses dos empresários dos planos e seguros de saúde, e outro, defendido pelo CNS e pelo bloco de oposição ao governo, que protegia os direitos dos usuários, não aceitando exclusões, carências e o aumento de prestações por idade. O CNS mobilizou as entidades nele representadas, os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde e parlamentares para arregimentar forças aliadas na defesa de sua proposta. Estas mobilizações não foram suficientes para vencer a proposta do governo.
Observa-se que o CNS não fez nenhuma menção crítica à transferência das funções do Ministério da Saúde para as agências reguladoras autônomas criadas no âmbito da saúde, a ANS e a ANVISA. Entretanto, posicionou-se contrário a proposta de criação da Agência Federal de Prevenção e Controle de Doenças (APEC), substitutiva da FUNASA. Esta agência de caráter executivo, realizaria as ações de vigilância epidemiológica e de educação para a saúde, condição para operacionalização do SUS. As articulações do CNS mobilizaram forças contrárias ao Projeto de Lei de criação dessa Agência Executiva Autônoma, contribuindo para sua retirada da pauta da Câmara dos Deputados, em abril de 2002.
Outra transferência de função do Ministério da Saúde se deu para uma organização não estatal, a Organização Nacional de Acreditação (ONA), que foi incumbida de avaliar os serviços hospitalares brasileiros de acordo com seu desempenho. A discussão sobre a criação e o funcionamento desta organização não passou pelo Conselho. A contratação pelo Ministério da Saúde desta organização de direito privado sem fins lucrativos, caracteriza a efetivação de outra recomendação do BM a da transferência de recursos públicos para Organizações Sociais.
7. Financiamento e Orçamento da Saúde

O financiamento da Saúde foi uma pauta constante das reuniões do Conselho. Houve uma atuação do Conselho na luta por novas fontes de financiamento para a saúde, a exemplo da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) como fonte de recursos adicionais, a qual se tornou fonte substitutiva, em face da retração de outras fontes, após a sua aprovação. Ressalta-se também o engajamento do CNS e a mobilização que este provocou em torno da vinculação de recursos para a saúde, através da luta pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional - PEC nº 169, a qual, depois de modificações, foi transformada na Emenda Constitucional - EC nº 29.
            A articulação para aprovação desta no Senado foi uma prioridade do Conselho no ano de 2000. Houve uma grande mobilização dos conselheiros através de: reuniões com algumas bancadas federais por estado; envio de correspondências a parlamentares solicitando apoio a PEC e de “Carta-Aberta do Conselho Nacional de Saúde em Defesa da PEC da Saúde” para os vários segmentos da sociedade; realização de reunião conjunta do CNS e Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal; ocupação de espaços na mídia; envio de e-mails; organização de marcha mobilizadora pela aprovação da PEC Aglutinativa 86-A; realização antecipada da Plenária de Conselheiros de Saúde; elaboração documento explicativo e didático sobre esta PEC; exibição de “placar” na Esplanada dos Ministérios, registrando as posições dos Senadores quanto a referida PEC, ao término das ações mobilizadoras.
Graças à mobilização do CNS a PEC 86-A foi aprovada no Senado e promulgada em setembro de 2000, através da Emenda Constitucional nº 29. A partir daí a preocupação do CNS se voltou para as interpretações sobre sua aplicação e elaborou o documento “Diretrizes Preliminares para Aplicação do Disposto na Emenda Aglutinativa Substitutiva 82-A (PEC da Saúde)”. Realiza também um fórum com os Tribunais de Contas da União, estados e municípios, para definir critérios para a operacionalização da EC 29.
No ano de 2001 o CNS tem uma nova luta no campo do financiamento da saúde, a operacionalização desta Emenda, conquistada como resultado de suas inúmeras mobilizações. A luta também se deu contra os contingenciamentos operados nesta área pelo governo federal. Estes estão relacionados com os Encargos Financeiros da União - EFU (Juros e Amortização da dívida interna e externa), pois estes são priorizados em detrimento da alocação de recursos na área social.
Observou-se que apesar da questão dos recursos destinados à saúde ter sido preocupação constante do CNS, demonstrada através dos relatórios da Comissão de Orçamento e Finanças (COFIN) apresentados e aprovados por unanimidade, mensalmente, nas suas reuniões e das várias resoluções e recomendações cobrando explicações sobre corte de recursos ao Ministério da Saúde, este não conseguiu influenciar de forma efetiva na definição dos recursos a serem alocados nesta área. Verificou-se uma grande diferença entre o montante de recursos aprovados anualmente pelo CNS para o orçamento global do Ministério da Saúde e o executado pelo governo federal. A posição do CNS é sempre de aprovar as propostas orçamentárias de cada ano, e denunciar o seu não cumprimento, devido aos contingenciamentos.
O CNS denunciou constantemente o desvio dos recursos da saúde e do Orçamento da Seguridade Social para o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) [11], e, principalmente, os contingenciamentos realizados pela área econômica. Esses contingenciamentos foram relacionados diretamente com os Encargos Financeiros da União – EFU, ou seja, com a priorização do pagamento dos juros e amortização da dívida interna e externa por parte do executivo, cumprindo as condicionalidades dos organismos financeiros internacionais, especialmente, com as do FMI.
  Apesar do controle social sobre os recursos da saúde ser ponto de pauta constante nas reuniões do CNS, a partir da apresentação dos relatórios da sua Comissão de Orçamento e Finanças, que foram sempre aprovados na íntegra e por unanimidade, e das várias Resoluções contrárias aos contingenciamentos e cortes dos recursos para a saúde, na prática o Conselho exerceu este controle com limites. Muitas Resoluções não foram homologadas e outras não foram cumpridas.
O nível de intervenção do CNS foi na re-alocação dos recursos pré-definidos, não influenciando na definição do montante a ser aplicado na saúde. Esta definição ficou a cargo da equipe econômica e da sua política de ajuste econômico, em consonância com os acordos firmados com as agências internacionais de financiamento.
A definição do montante de recursos para a saúde ficou à mercê das condicionalidades impostas pelos organismos financeiros internacionais – FMI e BM – apesar das denúncias constantes do CNS a respeito dos contingenciamentos ocorridos.

Considerações Finais
           
            A partir do resultado da pesquisa documental desenvolvida, pode-se afirmar que o sentido político predominante no Conselho Nacional de Saúde foi de defesa do SUS e de seus princípios e de resistência às orientações do Banco Mundial para a política de saúde brasileira, demonstrando que os interesses das classes subalternas se sobrepuseram sobre os demais interesses neste espaço, durante o período estudado.
A atuação dos segmentos sociais que representam os interesses das classes subalternas influenciou positivamente na definição de importantes políticas na área da saúde, tais como: Política Nacional de Saúde Mental, Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, Política Nacional de Saúde Indígena, Política do Sangue, Política Nacional de Saúde do Idoso, Política Nacional de Redução da Morbi-mortalidade por Acidente e Violência, e Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Como também na Política Nacional de Saneamento Básico e Meio Ambiente, impedindo por meio de mobilizações a aprovação de um Projeto de Lei que dispunha sobre a privatização dos serviços de saneamento básico. A área da Saúde do Trabalhador teve grandes avanços com a colaboração efetiva do CNS, demonstrando a força do segmento dos trabalhadores de saúde, nele representado. Este Conselho colaborou decididamente para o fortalecimento do controle social nas esferas estadual e municipal, apurando irregularidades na composição e funcionamento dos Conselhos e nas gestões do SUS.
A atuação do CNS contribuiu categoricamente para inibir, ou mesmo evitar a implementação de muitas das recomendações do BM para a política nacional de saúde, tais como: a quebra do caráter universal do acesso aos serviços de saúde na forma da lei; a propagação das experiências de flexibilização administrativas com o repasse da gestão da saúde para Organizações Sociais ou Cooperativas que tendem à privatização deste setor; o duplo acesso aos hospitais públicos; o co-pagamento quebrando o caráter público dos serviços de saúde estatais; a transformação da FUNASA em Agência Executiva Autônoma, que caracterizaria o repasse das funções executoras do Ministério da Saúde para uma esfera não estatal. Esta atuação foi impulsionada e apoiada pelas Conferências Nacionais de Saúde e pelos Encontros e Plenárias Nacionais de Conselhos de Saúde, nos quais o CNS esteve presente na mobilização e na organização.
Estes fatos demonstram a importância das lutas políticas dos segmentos sociais que representam as classes subalternas na consolidação do SUS e na construção de resistências ao projeto do capital, sem as quais o cenário da política nacional de saúde poderia ser outro.
Não houve um automatismo das imposições econômicas dos organismos financeiros internacionais na política nacional de saúde, devido às resistências das forças políticas que representam os interesses das classes subalternas. Esses interesses se expressaram no CNS e deram o seu sentido político predominante em defesa da saúde pública universal, criando resistências às contra-reformas recomendadas pelo BM.
Apesar da importante atuação do CNS e do controle social exercido pelos segmentos que representam as classes subalternas influenciando a política de saúde em muitos aspectos, este teve limites, pois não conseguiu influenciar de forma incisiva no modelo de assistência à saúde implementado, o qual seguiu, em parte, as orientações do Banco Mundial, nem tão pouco influenciou na determinação do montante de recursos destinados à saúde. Esta determinação ficou por conta das condicionalidades inerentes aos acordos do governo com o FMI e BM, apesar das inúmeras denúncias e resistência aos contingenciamentos resultantes destes acordos.
Observou-se que a determinação econômica na definição das políticas e gastos estatais limitou a ação da referida instância política de controle social. As definições políticas nos espaços dos Conselhos de Saúde na perspectiva desse controle têm conseguido denunciar e resistir ao rumo que a regência do capital financeiro internacional, na sua versão neoliberal, vem dando às políticas públicas dos países estruturalmente dependentes e em especial à política de saúde brasileira.
A superação deste limite está para além da atuação dos segmentos sociais no espaço institucional dos Conselhos. Requer a articulação das forças políticas que representam os interesses das classes subalternas em torno de um projeto para a sociedade, que tenha como horizonte o rompimento com os organismos financeiros internacionais e com a lógica a que estes servem e reproduzem, a lógica do capital. O crescente controle social das classes subalternas sobre as ações do Estado pode se constituir em uma estratégia para a construção de uma nova hegemonia.
 Entretanto, não se pode negar que as resistências às contra-reformas impostas pelos referidos agentes financeiros são passos importantes para esta construção. Mas, só o protagonismo das classes subalternas no sentido da superação da racionalidade capitalista e da efetivação de uma “reforma intelectual e moral” vinculada às transformações econômicas, poderá ser um contraponto ao domínio do capital.
Desta forma, fica constatado que é necessário “recusar o economicismo que nega, naturaliza e reifica os antagonismos [...] faz, do atual, do vigente, [...] uma pura continuidade, ao subordinar tudo e todos a uma realidade já dada, recusando a possibilidade de intervenção das vontades na história” (Dias, 2003, p.9).
As lutas políticas precisam ser fortalecidas na sociedade civil. Gramsci (2000, p.73) ressalta a importância do fortalecimento da sociedade civil, ao afirmar que nos Estados mais avançados, “onde a ‘sociedade civil’ tornou-se uma estrutura muito complexa e resistente às ‘irrupções’ catastróficas do elemento econômico imediato (crises, depressões, etc.); as superestruturas são como o sistema de trincheiras na guerra moderna [...]”  Trata-se, portanto, de identificar quais são os elementos da sociedade civil que correspondem aos sistemas de defesa na guerra de posição e fortalecê-los.
O horizonte de Gramsci é o fortalecimento das classes subalternas e a conquista de sua hegemonia, ou seja, realizar uma “reforma intelectual e moral” e “criar o terreno para um novo desenvolvimento de vontade coletiva nacional-popular no sentido da realização de uma forma superior e total de civilização moderna.”[12] Gramsci afirma que “a tarefa essencial consiste em dedicar-se de modo sistemático e paciente a formar esta força, desenvolvê-la, torná-la cada vez mais homogênea, compacta e consciente de si” (Gramsci, 2000, p.46).  

Referências


CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. Trad. Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996.

____________ A Mundialização Financeira. São Paulo: Xamã, 1999.

CORREIA, Maria Valéria Costa. Desafios para do Controle Social: subsídios para a capacitação de conselheiros de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.

____________O Conselho Nacional de Saúde e os Rumos da Política de Saúde Brasileira: mecanismo de controle social frente às condicionalidades dos organismos financeiros internacionais. Recife, 2005, 342f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, 2005a.
CORREIA, Maria Valéria Costa. Controle Social na Saúde. In: MOTA, Ana Elizabete et al. (orgs), Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: OPAS, OMS, Ministério da saúde, Cortez Editora, 2006.

COSTA, Nilson do Rosário. RIBEIRO, José Mendes. & SILVA Pedro Luís Barros. Reforma do estado e mudança organizacional: um estudo de hospitais públicos. Ciência & Saúde Coletiva. V.5, n.2, Rio de Janeiro, 2000.   

DIAS, Edmundo Fernandes. Democrático e popular? In: Outubro Revista do Instituto de Estudos Socialistas n. 8. São Paulo, 2003.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 1, tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

____________ Cadernos do Cárcere. Vol. 3: Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política; edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

MENDES, Áquilas & MARQUES, Rosa Maria. Atenção Básica e Programa de Saúde da Família (PSF): novos rumos para a política de saúde e seu financiamento? Ciência & Saúde Coletiva, v. 8, n. 2, Rio de Janeiro, 2003.



[1] Chesnais (1996) coloca que a fase da mundialização do capital foi antecedida por duas outras fases, o imperialismo e o período fordista. "A expressão mundialização do capital é a que corresponde mais exatamente à substância do termo inglês globalização, que traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista, voltado para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta própria, um enfoque de conduta global" (idem, p.17).
[2] Ver Chesnais (1996, p. 14-15).
[3] Ver Chesnais (1999, p.28).
[4] Ao falarmos em opção queremos salientar que não se trata de uma imposição “de fora”, mas que contempla os interesses dos setores que comandam não apenas a sociedade como também os demais setores das classes dominantes.

[5] Conforme atribuições do Conselho Nacional de Saúde contidas no Decreto 99438/90.
[6] Os documentos analisados foram: 86 Atas, 15 Deliberações, 169 Resoluções, 128 Recomendações e 25 Moções, além dos Documentos produzidos pelo CNS, Relatórios das atividades das Comissões Intersetoriais e dos Grupos de Trabalho.
[7] Os temas foram selecionados a partir da análise das orientações do BM à política de saúde brasileira.
[8] A pesquisa de campo foi desenvolvida de março a setembro de 1999 com a proposta de analisar a flexibilização da gestão pública e a inovação organizacional nos hospitais estatais das esferas federal, estadual e municipal.
[9] Pesquisa realizada nos anos de 2001 e 2002 pela Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ / Escola Nacional de Saúde Pública –ENSP, coordenada por Sarah Scorel.
[10] Ver dados em Mendes & Marques, 2003, p.7.
[11] O FEF, substituto do FSE (Fundo Social de Emergência), “mal consegue devolver os recursos subtraídos da CPMF (20%)” e “não traz recursos novos para a Saúde. Nem mesmo os das outras Fontes da Seguridade Social que levou” (Ata da 74º Reunião Ordinária do CNS, 4 e 5 de março de 1998).

[12] Gramsci (2000, p.18)

A SAÚDE NO CONTEXTO DA CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL: O Banco Mundial e as tendências da contra-reforma na política de saúde brasileira

A SAÚDE NO CONTEXTO DA CRISE CONTEMPORÂNEA DO CAPITAL:
O Banco Mundial e as tendências da contra-reforma na política de saúde brasileira
Maria Valéria Costa Correia[1]


INTRODUÇÃO

No final dos anos 80 e início da década de 90, a Constituição de 1988 e as Leis Orgânicas da Saúde 8.080/90 e 8.142/90, contemplaram um sistema de saúde - o Sistema Único de Saúde (SUS) – baseado no modelo de reforma sanitária propugnado, em parte, pelo Movimento Sanitário[2] que defende os princípios de universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social.
Entretanto, na década de 90, este sistema foi alvo das reformas neoliberais[3] que têm atacado seu caráter universal e público visando o seu desmonte, através de um processo de universalização excludente, mercantilização e privatização da saúde.  Essas reformas são decorrentes dos reflexos das mudanças do mundo econômico em nível global e das conseqüentes reformas sanitárias propostas pelos agentes financeiros internacionais, em especial, pelo Banco Mundial (BM) que vem tendo proeminência nesta área, desde a segunda metade da década de 80.
Entender o paradoxo entre o SUS legal, conquistado no final dos anos 80 e início dos anos 90, e o SUS real (ataques ao seu caráter universal e público), nos remete a situar o contexto da crise contemporânea do capital, o papel que o Estado e a sociedade civil passam a assumir neste contexto, e o protagonismo dos organismos financeiros internacionais na definição das políticas estatais dos países de capitalismo periférico, em especial na política de saúde.
Desvendar o alinhamento aos desígnios do capital das tendências que segue a atual política de saúde brasileira, no contexto da crise contemporânea do capital, se torna importante para o Assistente Social situar a direção social de sua prática profissional nesta área, tendo em vista o seu compromisso ético-político com as classes subalternas.
Este artigo, na tentativa de apreender as determinações do referido paradoxo, apresenta, inicialmente, as mudanças do mundo econômico que interferem nas políticas estatais dos países de capitalismo periférico, em especial, na política de saúde brasileira. A partir deste contexto, mostra a proeminência do Banco Mundial nas orientações das políticas de saúde dos referidos países, através do estudo aos documentos elaborados por esta agência, a partir de 1975. Analisa os principais documentos produzidos especialmente para o Brasil, os quais induzem às contra-reformas na área da saúde, destacando a recente proposta de criação das Fundações Estatais de Direito Privado. Aponta as tendências destas contra-reformas em curso, prescritas pelo Banco Mundial, na sua função de implementar o ajuste estrutural nos países de capitalismo dependente, com vistas ao fortalecimento do processo de reprodução ampliada do capital.[4]

MUDANÇAS DO MUNDO ECONÔMICO EM NÍVEL GLOBAL QUE AFETAM A POLÍTICA DE SAÚDE

Os anos 70 foram marcados por uma grande crise no capitalismo monopolista, com uma forte recessão da economia capitalista internacional. O padrão de acumulação fordista, baseado na produção em série e o keynesianismo com o pacto de classes que resultou no Welfare State, não conseguiram mais deter a tendência à queda da taxa de lucro. A capacidade de acumulação estava fortemente diminuída.
O capital buscou o enfrentamento da sua crise via reestruturação produtiva, baseada na liberdade do mercado, com um novo padrão de acumulação flexível e com a destruição dos direitos sociais e trabalhistas. Dias (2004) destaca que não se trata apenas de uma forma de retomar a possibilidade de acumulação, mas de alterar a correlação de forças entre capital e trabalho e fundar as formas atualizadas da dominação capitalista. Para este autor, trata-se de subsumir ainda mais profundamente o trabalho ao capital e assim fundar as bases das formas atualizadas da dominação capitalista.
O eixo da reestruturação capitalista é a volta da liberdade do mercado cortando as amarras impostas pelo pacto social-democrata e pelo Estado intervencionista. É uma intervenção da luta de classes contra as classes trabalhadoras. O retorno do laissez faire em tempos de globalização permite que o fluxo de capitais se mobilize instantaneamente entre os mercados mundiais favorecendo os monopólios financeiros que controlam a economia mundial. Isso se processa pela destruição dos direitos sociais e trabalhistas, eufemisticamente chamados de flexibilização, de terceirização.
O processo de financeirização do capital, representado por um novo estilo de acumulação - com predomínio financeiro e rentista -, na fase da “mundialização do capital”[5], é “dado pelas novas formas de centralização de gigantescos capitais financeiros (os fundos mútuos e fundos de pensão)” que, através dos títulos e da rentabilidade aliada à liquidez, têm a função de “frutificar principalmente no interior da esfera financeira” (CHESNAIS, 1996, p. 14-15). É esta que comanda, cada vez mais, a repartição e a destinação social da riqueza criada na produção a partir da combinação social de formas de trabalho humano[6].
Segundo Chesnais (1996, p.15), a dinâmica do crescimento desta esfera se alimenta de dois tipos de mecanismos, os primeiros se referem à formação de capital fictício e os outros se baseiam em transferências efetivas de riquezas para a esfera financeira, tendo como meio mais importante o serviço da dívida pública e as políticas monetárias associadas a este. Esse processo traz como conseqüência para os países periféricos um “nível de endividamento dos Estados perante os grandes fundos de aplicação privados (os ‘mercados’)” deixando-lhes “pouca margem para agir senão em conformidade com as posições definidas por tais mercados... salvo que questionem os postulados do liberalismo” (CHESNAIS, 1996, p. 15).
O poder do capital financeiro é defendido pelas instituições financeiras internacionais – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) e Organização Mundial do Comércio (OMC) - que, representando os interesses dos Estados mais poderosos do mundo, pressionam os demais Estados nacionais a adotarem políticas de liberalização, desregulamentação e privatização[7], impondo reformas políticas, econômicas e sócio-culturais, as quais vão ter implicações na soberania dos Estados-nação que a estas aderirem, mediante as condicionalidades[8] de suas políticas internas e externas. Estas instituições desempenham funções relevantes para o ajuste de integração dos espaços mundiais, visando à produção e à reprodução do capital.
Nas décadas de 80 e 90, com a crise da dívida[9] frente a taxa de juros flutuantes, os países devedores ficam sem possibilidade de honrar seus débitos  -, o FMI e o BM passaram a desempenhar um papel protagônico na orientação das políticas econômicas adotadas pelos Estados Latino Americanos, mediante a imposição da adoção de programas de estabilização econômica e de ajuste estrutural[10], implicando na reforma do Estado.
Neste contexto, o Estado tem se colocado, cada vez mais, a serviço dos interesses do capital, exigindo o protagonismo da sociedade civil para dar respostas às seqüelas da questão social, desresponsabilizando-se. Sader (1999, p.126) vai chamar esse tipo de Estado de Estado mini-max, ou seja, máximo para o capital - através de subsídios, créditos, perdão de dívidas, investimentos e obras de infra-estrutura dirigidos a apoiar a acumulação privada, e políticas econômicas e financeiras com conotação de classe evidente -, e mínimo para o trabalho, através do corte de gastos sociais, da precarização das políticas públicas, do congelamento dos salários do funcionalismo público, entre outras medidas. Nas palavras de Dias (1999, p. 121) "trata-se do ideologicamente Estado Mínimo, que é na prática o 'Mercado Máximo." A condenação retórica do Estado tem a função de ocultar a sua minimização "em relação às classes trabalhadoras e a sua maximização na sua articulação com a burguesia" (idem, ibidem).
A valorização da sociedade civil se insere como desdobramento do processo de reestruturação capitalista e do seu corolário, o neoliberalismo, que necessita modificar a forma de responder às refrações da “questão social”, desresponsabilizando o Estado e repassando esta tarefa para a sociedade civil através das “parcerias”, da disseminação de princípios de “auto ajuda” ou “ajuda mútua”, do voluntariado, do solidarismo e da filantropia. Nessa direção, Montaño (2001, p.22) afirma que “a desresponsabilização estatal das respostas às seqüelas da ‘questão social’ é (supostamente) compensada pela ampliação de sistemas privados: mercantis (empresariais, lucrativos) e filantrópicos-voluntários (do chamado ‘terceiro setor’)”.
As reformas do Estado recomendadas pelos organismos internacionas são no sentido da racionalização de gastos na área social e do fortalecimento do setor privado na oferta de bens e serviços coletivos.
O Banco Mundial afirma que “muitos países em desenvolvimento que desejam reduzir a magnitude de seu desmesurado setor estatal devem conceder prioridade máxima à privatização” (Banco Mundial, 1997, p. 7). Essa instituição orienta os governos a dar prioridade máxima aos “setores sociais fundamentais”, os mais vulneráveis, promovendo políticas públicas focalistas para dar eficácia e equidade aos gastos sociais. Esta orientação traz como conseqüência a quebra do caráter universal de tais políticas, tão caro às lutas sociais.
A partir da contra-reforma do Estado proposta pelo Banco Mundial as políticas sociais tendem: à focalização, em que os gastos sociais são dirigidos aos setores de extrema pobreza; à descentralização da gestão da esfera federal para estados e municípios sem a contrapartida de recursos necessários a esse processo, e com a participação na esfera local de organizações não governamentais, filantrópicas, comunitárias e de empresas privadas; à privatização, com o deslocamento de prestação de bens e serviços públicos para o setor privado que é regido pelo mercado.
Esta contra-reforma que tem acontecido na “contra-mão” do assegurado legalmente tem deformado as políticas sociais garantidas, rebaixando-as a programas focais, assistenciais e seletivos, dirigidos aos grupos de maior pobreza, esvaziando seu caráter universal. Ao tempo que se tem aberto ao mercado para o fornecimento de serviços coletivos acessíveis de acordo com o poder de compra de cada indivíduo, esvaziando o caráter público desses.
Nesse processo, ocorre uma diminuição da intervenção estatal na área social, simultânea ao repasse da gestão de bens e serviços públicos para a rede privada, tais como saúde e previdência, mediante a transferência de recursos públicos.
Observa-se a crescente tendência da utilização do fundo público para o financiamento da acumulação de capital em detrimento do financiamento da reprodução do trabalho. O que está em curso é o repasse dos custos de reprodução do capital para o conjunto da sociedade e para o próprio trabalhador, transformando-o em cidadão-consumidor.[11]


A PROEMINÊNCIA DO BANCO MUNDIAL NAS POLÍTICAS DE SAÚDE DOS PAÍSES DE CAPITALISMO PERIFÉRICO

O protagonismo do Banco Mundial sobre a política de saúde dos países de capitalismo periférico revela-se nos documentos por ele produzidos nesta área, os quais contêm orientações para as políticas estatais a serem implantadas, mediante disponibilização de empréstimos.  
Rizzotto (2000) faz uma análise dos motivos que levaram o BM a ter interesse em intervir na área da saúde, apontando três importantes: contribuir para o avanço do liberalismo, ao fazer a crítica contundente ao papel do Estado na intervenção nas políticas públicas, inclusive na saúde; a necessidade do BM difundir uma face humanitarista diante do agravamento das condições de vida da maioria da população e do aumento da pobreza e da desigualdade social como resultado da implantação do ajuste estrutural nos países periféricos por ele condicionado; por ter passado a área da saúde a se constituir em um importante mercado a ser explorado pelo capital.[12]
A área da saúde é uma área de grande interesse do capital, ou seja, dos grupos privados de saúde, indústrias farmacêuticas e de equipamentos nacionais e internacionais. A interferência do BM é no sentido de fortalecer o mercado da saúde.
 O primeiro documento produzido pelo Banco Mundial sobre a saúde foi publicado em 1975 “Salud: documento de política sectorial”. Compõe o conjunto de publicações de documentos de política setorial elaborados a partir de estudos setoriais da economia e da sociedade dos países devedores, os quais apontavam os problemas existentes em cada área e propunham políticas governamentais a serem seguidas para resolvê-los.
O Banco Mundial, desde o referido documento de 1975, já apresentava as primeiras diretrizes para uma reforma nas políticas de saúde aos países por ele subsidiados, reafirmadas nos documentos posteriores, tais como: a quebra da universalidade do atendimento à saúde, a priorização da atenção básica, a utilização da mão-de-obra desqualificada para os procedimentos de atenção à saúde e simplificação dos mesmos, a seletividade e focalização da atenção aos mais pobres.
O eixo das diretrizes desta reforma proposta é de caráter econômico no sentido de baratear os serviços de saúde envolvendo a comunidade, utilizando como critério de avaliação a relação custo/benefício: “para funcionar economicamente, o sistema necessita procedimentos e práticas médicas que sejam simples e baratos em sua maioria, sendo descartadas as complicadas investigações com fins de diagnósticos da medicina ocidental avançada” (Banco Mundial, 1975, p.54). Neste sentido, os programas voltados para atender aos pobres “podem considerar-se como consumo, que é o objetivo final do desenvolvimento econômico, e como investimento produtivo” (Banco Mundial, 1975, p. 29). Os recursos disponíveis para os programas governamentais na área da saúde, de acordo com este documento “devem formular-se sobre a base de estudos da eficácia em função dos custos” (Banco Mundial, 1975, p.37).
Os estudos de Costa (1998, p. 129), mostram que a partir de meados dos anos 80 o Banco Mundial assumiu a liderança no desenvolvimento global da agenda internacional para as políticas de saúde, apoiando projetos que pudessem servir aos seus interesses instrumentais na missão de ajuste estrutural. Segundo este autor, “a agenda do Banco Mundial subordina a avaliação dos gastos em saúde à preocupação com a consistência macroeconômica dos países em processo de ‘ajuste estrutural,” apelando para o fortalecimento do mercado para financiar e oferecer cuidado à saúde (ibidem). A nova pauta para as políticas públicas em saúde vai implicar em um conjunto de escolhas dentro da lógica de custo-efetividade, na perspectiva da racionalização da oferta (Cf. COSTA, 1998, p. 130-131).
O documento de 1987 do Banco Mundial, Financiando os Serviços de Saúde nos países em desenvolvimento: uma agenda para a reforma, congrega a agenda de reformas propostas pelo Banco na área da saúde aos países por ele subsidiados. Em consonância com a política neoliberal assumida pelas instituições financeiras nos anos 80, os argumentos deste documento questionam a intervenção do Estado na operacionalização dos serviços de saúde. Desta forma, o Banco Mundial entra no debate internacional sobre a saúde questionando uma premissa consensual[13] entre os organismos que tradicionalmente trataram da questão da saúde: a responsabilidade dos governos na melhoria da saúde da população.[14]
A consolidação do BM na orientação das políticas de saúde em nível internacional aconteceu com a publicação do Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1993: Investindo em Saúde[15], cujo eixo das propostas está fundamentado na política liberal em consonância com o recomendado pelo Consenso de Washington.[16] Os Relatórios do Desenvolvimento Mundial são publicados anualmente tratando de um tema específico relacionado ao desenvolvimento, a escolha do tema da saúde para o relatório de 1993 reflete a importância desta área no interior do Banco.


A AGENDA DE CONTRA-REFORMAS DO BANCO MUNDIAL PARA A POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA

            Existem três documentos que sintetizam o conjunto de propostas do Banco Mundial para a área de saúde no Brasil. O primeiro é de 1991, “Brasil: novo desafio à saúde do adulto”, elaborado após a Constituição de 88 e a aprovação das Leis Orgânicas da Saúde 8.080 e 8.142 de 1990, rebate frontalmente os avanços formais da reforma sanitária contemplados nesta legislação. De acordo com o Banco Mundial, “as realidades fiscais colidem com os sonhos de despesa alimentados pelo processo de democratização e pela Constituição de 1988” (Banco Mundial, 1991, p.1/20).
O documento também expressa a opinião do BM com relação ao acesso universal contido na Constituição Federal:
O prognóstico para o sistema de saúde no Brasil não é bom [...] A Constituição de 1988 estabelece como direito constitucional, o acesso universal aos serviços públicos de saúde. A implementação deste direito exerceria significativo efeito sobre a procura e o custo dos serviços médicos públicos (Banco Mundial, 1991, p.5/82).

Baseado no eixo da maioria de suas propostas que é o custo/efetividade, sugere a seletividade do acesso como proposta à quebra da universalidade: “os programas devem orientar-se especificamente para os pobres e considerar explicitamente a sua situação” (Banco Mundial, 1991, p.7). Outro princípio a que o Banco também se posiciona contrário é o da gratuidade ao propor “a cobrança aos usuários, tanto direta como através de impostos locais,” enquanto “elemento essencial para fixação de prioridades” (Banco Mundial, 1991, p.122).
O segundo documento, “A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no Brasil: uma agenda para os anos 90”, publicado em 1995, também vai de encontro aos avanços constitucionais de 88, ao referir-se que, na Constituição, a “firme tendência para a universalização da cobertura [...] trará, por si só, um aumento significativo nas despesas se as promessas públicas forem mantidas” (Banco Mundial, 1995).
De acordo com Rizzotto (2000, p.153), o núcleo temático dos dois referidos documentos “constitui-se em uma avaliação genérica do Sistema Único de Saúde brasileiro, com ênfase nos aspectos da relação custo-benefício dos serviços e, na defesa da necessidade de reformas constitucionais e institucionais vinculadas a este setor”. Eles defendem a ampliação do setor privado na prestação de serviços de saúde, ao enfatizar o papel regulador e financiador do Estado, incentivando-o a repassar recursos para “qualquer entidade” prestar os serviços de saúde (Cf. Banco Mundial, 1991, p.117). Justifica a defesa da participação da rede privada por sua maior eficiência e melhor qualidade dos serviços prestados,[17] pois, segundo o Banco “[...] os serviços prestados pelas EMS[18] são comprovadamente superiores aos serviços públicos disponíveis [...]” (Banco Mundial, 1991, p. 119).
Estes documentos defendem também a redução dos recursos destinados à saúde, em coerência com as políticas de ajuste dos organismos financeiros internacionais que exigem corte de gastos públicos. Para o Banco “o Brasil já parece gastar, tanto nos serviços públicos de saúde como no total, proporção do PIB algo maior do que se deveria esperar de um país com o seu nível de renda per capita” (Banco Mundial, 1991, p.101).
A contra-reforma na área da saúde tem se dado no bojo das reformas empreendidas pelo governo brasileiro em atendimento às exigências dos organismos internacionais. Em 1995, foi elaborado um documento conjunto entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado - “Sistema de Atendimento de Saúde do SUS” - que sintetiza a proposta de reforma para este setor, em consonância com o documento elaborado pelo Banco Mundial de 1995 “A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no Brasil: uma agenda para os anos 90”. O documento deixa claro o novo papel regulador atribuído ao Estado que deverá concentrar esforços apenas “no financiamento e no controle desses serviços ao invés do seu oferecimento direto”.
Outro documento produzido pelo Ministério da Saúde que expõe diretrizes políticas para a saúde em conformidade com as recomendações do Banco Mundial é o “Informe sobre a Reforma do Setor Saúde no Brasil”, apresentado na reunião especial sobre Reforma Sectorial en Salud, promovida pela OPAS, BID e Banco Mundial, em setembro de 1995.[19] O Ministério da Saúde compromete-se, neste documento, a modificar as bases organizacionais do sistema de saúde nacional com: a organização de um sistema assistencial privado, devidamente regulamentado; o funcionamento competitivo dos subsistemas público e privado, estimulador da qualificação com redução de gastos; a adoção de modelos técnico-operacionais inovados e inovadores; o estabelecimento de um sólido e inovado sistema de acompanhamento, controle e avaliação (BRASIL, 1995a, p.16).
O terceiro documento elaborado pelo Banco Mundial para orientar a política de saúde brasileira, é de fevereiro de 2007, “Governança do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro: Fortalecendo a Qualidade do Investimento Público e da Gestão de Recursos”. Expõe avaliações e propostas para “aumentar a qualidade da gestão e racionalizar o gasto público” do SUS.
Esse documento destaca que “muitos dos desafios enfrentados pelo setor saúde estão ligados as falhas de governança”, ou seja, a “a falta de incentivos e de accountability que garantem que os serviços sejam viáveis financeiramente e que sejam de qualidade aceitável, sendo dois fatores essenciais para o fortalecimento do status da saúde” (Banco Mundial, 2007, p.01).
Aponta como estratégias para o “aprimoramento da governança e do uso dos recursos públicos” seis “ações corretivas” que têm como eixo central a “Gestão voltada para Resultados”, quais sejam: Autonomia organizacional; Fortalecimento da capacidade gerencial; Contratos de Gestão; Simplificação de repasses federais; Monitoramento e avaliação de impacto; e Alinhamento de processos de planejamento, orçamento e monitoramento (Banco Mundial, 2007, p.78). Articuladas a essas “ações corretivas” expõe seis “recomendações”.
O tecnicismo dos argumentos apresentados neste documento omite a pungente questão política que está posta, a “busca pelo desempenho” é a chave, não importando se implica em privatização. A ênfase dada à necessidade de desenvolver e implementar maior autonomia e accountability (autoridade para gerenciar recursos) às unidades de saúde aponta para “vários modelos de gestão autônoma [...] tais como o modelo das Organizações Sociais, entre outros” (Banco Mundial, 2007, p.79). Está explicitado o teor de desresponsabilização do Ministério da Saúde na execução direta dos serviços de saúde contido no documento, através de contratos de gestão, passando este a ser coordenador desses serviços monitorando e avaliando o desempenho e os resultados do “compromisso de gestão” firmado com prestadores públicos ou privados de saúde.
O documento apresenta princípios norteadores para que o SUS tenha maior autonomia e accountability, os quais reforçam a referida desresponsabilização. O primeiro é a “gestão autônoma nas unidades maiores, principalmente os grandes hospitais de referência” (Banco Mundial, 2007, p.78). Esses serviços teriam “autonomia plena para administrar e aplicar seus recursos físicos e humanos, devendo apenas seguir as políticas de saúde do SUS e cumprir um conjunto de metas previamente definidas”, a exemplo das Organizações Sociais já adotadas em várias partes do país (idem, p.79). O segundo princípio é a “gestão descentralizada nas unidades menores”. Esta “descentralização poderia transformar unidades de saúde e/ou órgãos regionais em unidades orçamentárias, dotadas de seu próprio orçamento” (BM, 2007, p. 78-79).
            A proposta é de repasse da gestão do SUS para outras modalidades de gestão não estatais, através dos contratos de gestão, mediante transferências de recursos públicos. Está posto um processo de privatização fundamentado em uma suposta avaliação da “ineficiência” e da “baixa qualidade de serviços” do SUS, em que a saída principal apresentada é “aplicar mecanismos para fortalecer a accountability, tais como contratos de gestão que obrigam os gestores a enfocar metas específicas e resultados mensuráveis” (BM, 2007, p. 07). Segundo este documento

a chave para o sucesso da gestão autônoma ou descentralizada é um compromisso de gestão, que define claramente a accountability e os poderes da unidade, as metas a serem alcançadas e as atividades a serem desenvolvidas, as necessidades de recursos, critérios claros para a avaliação do desempenho da unidade, e as penalidades para o não cumprimento de objetivos. O compromisso de gestão tem sido utilizado, sobretudo em modelos de gestão autônoma ou privada. Contudo pode ser utilizado em modelos de gestão descentralizada na área da administração direta, desde que as unidades tenham um grau suficiente de autonomia gerencial e financeira para poderem ser responsabilizadas por seu desempenho (BM, 2007, p. 79-80).
  
Nada de novo se comparado ao processo de reforma implementado no governo de Fernando Henrique Cardoso no seu Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, quando instituiu, pela Lei 9.637/98, as Organizações Sociais, os Contratos de Gestão e o Programa Nacional de Publicização, além das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) pela Lei 9.790/99. Trata-se do detalhamento para operacionalização em maior proporção na área da saúde do que já estava contemplado nos documentos anteriores do Banco Mundial e do MARE e Ministério da Saúde, principalmente os de 1995, que estavam relacionados mais diretamente com a contra-reforma do Estado brasileiro.  
Os problemas identificados no documento “estão relacionados com a governança, a organização e o funcionamento do setor público em geral” (BM, 2007, p.77), o que vai exigir mudanças de natureza maior. Talvez por isso que no mês de maio de 2007, encontrava-se disponível para acesso público, no sítio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, um conjunto de documentos sobre Fundações Estatais, os quais retratavam conclusões similares às elaboradas pelo referido documento elaborado pelo Banco Mundial.[20] E, pouco tempo depois, em 13/07/2007, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº 92/2007 que cria Fundações Estatais com personalidade jurídica de direito privado, para desenvolverem atividades nas áreas da educação, assistência social, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente, cultura, desporto, comunicação social, entre outras. Este Projeto das Fundações Estatais[21], caso seja aprovado, consolida a contra-reforma do Estado brasileiro iniciada nos governos anteriores, facilitando ainda mais a alocação de recursos públicos em setores não exclusivos do Estado.
O eixo da proposta das Fundações Estatais é o contrato de gestão. Nesta perspectiva, as instâncias centrais de gestão do SUS “coordenarão as fundações”. O Estado deixa de ser o executor direto dos serviços de saúde e passa a ser o coordenador desses serviços prestados pelas fundações, mediante repasse de recursos públicos. A privatização acontece exatamente neste repasse de recursos públicos para setores não exclusivos do Estado.  O projeto das Fundações Estatais está alinhado às orientações do Banco Mundial para a política de saúde brasileira, compondo assim o quadro das contra-reformas do Estado brasileiro que favorece o projeto do grande capital. Será que os novos recursos para a saúde garantidos com a regulamentação de Emenda Constitucional n. 29 já têm destino certo? Serão repassados para as fundações através dos contratos de gestão? Quem de fato ganhará com isso?
Destaca-se que apesar do Projeto de Lei da Fundação Estatal está em discussão na Câmara dos Deputados, três estados já aprovaram a sua criação - Bahia, Sergipe e Rio de Janeiro. A lógica deste projeto vem referendada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Saúde, ou Programa Mais Saúde, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 05 de dezembro de 2007, o qual propõe um novo modelo de gestão em que

o setor saúde consolida-se como um campo gerador de empregos, renda e de divisas, através do esforço de indução do Governo e engajamento da iniciativa privada [...] Não basta acrescentar mais recursos para a prestação de serviços sem uma mudança nos processos de gestão das redes e unidades assistenciais. Mais Saúde inova ao propor novos modelos de gestão como as fundações estatais de direito privado.[22]



As tendências da contra-reforma na Política de Saúde Brasileira


As contra-reformas implementadas a partir da segunda metade da década de 90 em consonância com as orientações do BM, estão ancoradas na necessidade de limitação das funções do Estado, e vão demandar da política de saúde brasileira (Cf. CORREIA, 2005):
1) O rompimento com o caráter universal do sistema público de saúde, ficando este encarregado apenas de prestar atendimento aos mais pobres que não podem pagar pelos serviços no mercado, através de um modelo assistencial baseado na oferta da atenção básica e na racionalização da média e da alta complexidade.
O modelo assistencial preconizado pelo BM está centrado na atenção básica. Nesta perspectiva, são esses serviços que devem ser universalizados, combinados com a “racionalização” ao atendimento hospitalar.[23] Configura-se, assim, a seletividade e a focalização da assistência à saúde. O Estado se encarrega da parte não lucrativa dos serviços de saúde, que não interessa ao capital, ao tempo que a rede privada especializa-se na alta complexidade[24].
Em vez do princípio da universalização, propõe-se a “cobertura universal da atenção básica”. Ressalta-se ainda que, a dicotomia entre as ações médico-hospitalares e as ‘básicas’, se constitui um retrocesso ao princípio da integralidade, indo de encontro ao modelo assistencial preconizado pelo SUS.
2) A flexibilização da gestão dentro da lógica custo/benefício, privatizando e terceirizando serviços de saúde, com repasse de serviços e recursos públicos para as Organizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs, Fundações de Apoio e Cooperativas de profissionais de medicina, além da implantação de duplo acesso em hospitais públicos e de mecanismos de co-pagamento. Bem como, precarizando o trabalho em saúde, através das formas flexíveis de contratação. Neste sentido, o atual governo está propondo a criação das referidas Fundações Estatais de direito privado.
Os processos de reforma administrativa na saúde não foram implantados de forma global, mas de modo fragmentado e localizado, devido às resistências da estrutura organizacional que prevaleceram no SUS, até o momento. Entretanto, os processos de flexibilização da gestão na área da saúde têm crescido dentro do SUS[25]. Soares (2000, p. 23) vai denominar este processo, de privatização “por dentro” do setor público, com a introdução da lógica mercantil no interior dos serviços públicos, privilegiando a “microeconomia” do custo/benefício em detrimento da qualidade dos serviços. Nesse tipo de privatização são transferidas apenas funções de gerenciamento e/ou administração dos serviços, subsidiadas com recursos públicos. O Estado mantém sua função de financiador dos serviços, ao tempo que perde o controle sobre a qualidade dos serviços prestados.
3) O estímulo à ampliação do setor privado na oferta de serviços de saúde. A orientação do BM às novas formas de gestão da saúde priorizando o custo/benefício, esteve associada ao incentivo à participação da iniciativa privada na oferta de serviços de saúde. As propostas do Banco para a ação estatal estão reduzidas a programas destinados às populações mais pobres, desenvolvendo ações de promoção e prevenção da saúde, que tenham custos reduzidos, ficando o restante por conta do mercado, e o acesso de acordo com a capacidade de compra de cada indivíduo.
Observa-se que houve um expressivo aumento do sistema de planos e seguros privados de saúde. O número de operadoras de planos e seguros de saúde quase triplicou entre 1987 e 1998 e o número de clientes cresceu cerca de 70%. Além de ter havido um crescimento de clínicas e laboratórios populares, indicando que o desembolso direto por populações mais pobres está crescendo (SANTOS & GERSCHMAN, 2004).
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anuncia que houve um crescimento no número de usuários de planos de saúde de 38,6 milhões para 44,7 milhões em quatro anos (2002 a 2006), mas ressalta que 4,0 milhões desses novos usuários são exclusivamente ligados a planos odontológicos. Noronha & Soares (2001, p.4) destacam os limites da expansão da demanda dos seguros privados, os quais são de natureza estrutural e financeira própria dos países latino-americanos, devido à renda da classe média que “vem empobrecendo a olhos vistos”.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política de saúde brasileira vem sendo tensionada por dois projetos que representam interesses antagônicos. O projeto do capital, que defende as reformas recomendadas pelo Banco Mundial e o projeto de setores progressistas da sociedade civil que defendem o SUS e seus princípios, integrantes da proposta da reforma sanitária. Este último projeto tem sido defendido por segmentos dos movimentos populares e sindicais, e instituições acadêmicas como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) que, articulados no Movimento de Reforma Sanitária nos anos 80 e 90 conseguiram incorporar formalmente parte de sua proposta na legislação do SUS. Além das entidades de representação dos gestores - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS).
Ressaltamos, porém, que tanto os segmentos da sociedade civil como as representações acadêmicas e de entidades dos gestores não constituem blocos homogêneos. Apesar de todos terem um discurso em defesa do SUS, existem grandes diferenças na sua concepção, principalmente, quanto à universalidade, à relação público/privado, à forma de descentralização e de participação da sociedade e ao modelo de assistência à saúde.  Um exemplo dessas diferenças, mesmo entre aqueles que dizem defender o SUS, tem sido os posicionamentos a favor das Fundações Estatais de Direito Privado por parte de vários nomes da academia e da militância na saúde, considerados históricos do movimento da reforma sanitária.
O outro projeto é apoiado pelo setor privado, pelos donos de hospitais, diretores dos hospitais filantrópicos e beneficentes, grupos privados de saúde, indústrias farmacêuticas e de equipamentos nacionais e internacionais, organizados na Federação Brasileira dos Hospitais (FBH), na Confederação das Misericórdias do Brasil, na Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), e no Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo (Sinamge), com aliados no governo e na burocracia estatal, e tem conseguido, em parte, influenciar a política de saúde.
 Vários autores[26] vêm identificando os projetos em disputa para dar o tom da política nacional de saúde. Segundo Campos (1992, p.19), há uma contradição central no processo nacional de reforma sanitária: uma dominância do projeto neoliberal no dia-a-dia da ação governamental, apesar da determinação legal apontar para outro sentido. Esta ação segue as recomendações de organismos financeiros internacionais para as políticas sociais: privatização, contenção de gastos através de medidas que promovam austeridade e seleção de demandas (Cf. CAMPOS, 1992, p.19).
O tensionamento entre o projeto do capital e dos setores progressistas da sociedade tem desenhado a política de saúde brasileira, pois existem resistências políticas ao primeiro projeto. Assim, embora paire a ameaça sobre o caráter público e universal do SUS, tem-se aglutinado setores progressistas da sociedade para sua defesa, nas seguintes instâncias de participação social: Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais de Saúde, Plenárias Nacionais de Conselheiros de Saúde e em alguns Conselhos de Saúde das três esferas de governo, em especial no Conselho Nacional de Saúde.
Esta tensão também tem se revelado em relação a proposta das Fundações Estatais de Direito Privado, em que de um lado, setores organizados na sociedade civil conseguiram aglutinar forças dentro do Conselho Nacional de Saúde, fazendo com que este se posicionasse contrário ao projeto de lei que visa instituir esta proposta, na sua 174ª reunião em 13 de junho de 2007, ao tempo que este posicionamento foi referendado em todos os grupos e na plenária final da XIII Conferência Nacional de Saúde, realizada de 14 a 18 de novembro de 2007. Entretanto, o Ministério da Saúde não tem levado em conta estes posicionamentos representativos e legítimos do ponto de vista da democracia, pelo contrário, tem reforçado seu projeto de repasse da gestão do SUS para setores não estatais, ao lançar o PAC da Saúde, através do Programa Mais Saúde, o qual propõe “novos modelos de gestão como as fundações estatais de direito privado”. Vale destacar, que todo o discurso governamental contido neste programa é sustentado na garantia pelo Estado brasileiro “a todos o direito constitucional à saúde”.
Ao final, faz-se necessário retomar os primórdios da Reforma Sanitária Brasileira: mudanças na área da saúde articuladas às transformações societárias. Mais que isso, é necessário fortalecer a articulação das forças políticas que representam os interesses das classes subalternas em torno de um projeto para a sociedade, que tenha como horizonte o rompimento com os organismos financeiros internacionais e com a lógica a que estes servem e reproduzem, a lógica do capital, com vistas a uma nova sociabilidade.

Referências Bibliográficas


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______________ Brasil: novo desafio à saúde do adulto. Washington, D.C., 1991 (série de estudos do Banco Mundial sobre países).

______________ Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1993: investindo em saúde. Rio de Janeiro: FGV, 1993.

______________ A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no Brasil: uma agenda para os anos 90. Washington, D.C., 1995 (Relatório nº 12655 – BR).

______________ Diretrizes para aquisições no âmbito de empréstimos do BIRD e créditos da AID. Washington, D.C. 1997.

_____________ Governança do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro: Fortalecendo a Qualidade do Investimento Público e da Gestão de Recursos. Brasil, 15 de fevereiro de 2007 (Relatório nº 36601 – BR).

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BRAVO, Maria Inês Souza & MATOS, Maurílio Castro de. A Saúde no Brasil: Reforma Sanitária e Ofensiva Neoliberal. In: BRAVO, Maria Inês Souza; Potyara Amazoneida Pereira (Org.). Política social e democracia. São Paulo: Cortez, Rio de Janeiro:UERJ, 2002.

BEHRING, Elaine Rosset. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.

BORÓN, Atilio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In: SADER, E. & GENTILI, P. (Orgs.). Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia? Petrópolis, RJ:Vozes, 1995.

CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Reforma da Reforma: repensando a saúde. São Paulo: HUCITEC, 1992.


[1] Professora Doutora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas.
[2] Também denominado Movimento de Reforma Sanitária que, inspirado no modelo italiano, buscava um projeto para a saúde baseado nos princípios de universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social. Este movimento nasce sob o regime autoritário, na segunda metade da década de 70, articulado ao Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) reunindo profissionais, intelectuais e lideranças políticas do setor saúde, vindos, na maioria, do Partido Comunista Brasileiro. Representava um foco de oposição ao regime militar buscando a transformação do setor saúde, pressupondo a democratização da sociedade.
[3] Denominadas contra-reformas pelo seu caráter regressivo do ponto de vista da classe trabalhadora. Na realidade, são as contra-reformas do Estado exigidas pelos programas de ajustes macroeconômicos propugnados pelos agentes financeiros internacionais. Behring (2003) utiliza este termo para tratar do processo de "desestruturação do Estado e perda de direitos” no Brasil a partir da década passada.
[4] Para aprofundar os conteúdos apresentados neste artigo, ver tese de doutorado de Correia (2005).
[5] Chesnais (1996) coloca que a fase da mundialização do capital foi antecedida por duas outras fases, o imperialismo e o período fordista. "A expressão mundialização do capital é a que corresponde mais exatamente à substância do termo inglês globalização, que traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista, voltado para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta própria, um enfoque de conduta global" (idem, p.17).
[6] Cf. CHESNAIS, 1996, p. 14-15.
[7] Cf. CHESNAIS, 1999, p.28 e 2007, p.58.
[8] As “condicionalidades” são as condições exigidas em termos de políticas econômicas que garantam aos credores internacionais o pagamento dos compromissos assumidos. Os recursos vão sendo liberados mediante o cumprimento dessas, que passam a moldar toda a política nacional. As exigências são em torno de um ajuste fiscal capaz de gerar superávits primários para garantir o pagamento da dívida.
[9] Segundo Harvey, o capital financeiro passou ao “centro do palco na fase da hegemonia norte-americana, tendo podido exercer certo poder disciplinador tanto sobre os movimentos da classe operária como sobre as ações do Estado, em particular quando e onde o Estado assumiu dívidas de monta” (2005, p. 59).
[10] De acordo com Borón (1995, p.102), as “instituições financeiras internacionais’, eufemismo para se referir ao BM e ao FMI, recomendam calorosamente umas políticas que geram pobreza e exclusão social e, ao mesmo tempo, encomendam numerosas pesquisas sobre o tema e manifestam sua consternação pelo agravamento do flagelo da pobreza na América Latina.”
[11] Expressão utilizada por Mota (1995).
[12] Estatísticas revelam que, no mundo, consome-se com serviços de saúde em torno de US$ 1,7 trilhão (dados da dec. de 90), ou seja, 8 % do produto total mundial, em uma faixa que vai de 4% do PIB nos países ‘em desenvolvimento’ a 12 % do PIB nos países desenvolvidos de alta renda, significando um mercado nada desprezível para o investimento do capital e sua valorização (Rizzotto, 2000, p.119-122).
[13] Este consenso foi resultado de um importante evento internacional na área de saúde, a Conferência de Alma-Ata, promovido pelas agências de cooperação do sistema das Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em 1978, onde se afirmou a “importância das estratégias de expansão dos cuidados primários de saúde, a serem conduzidas com ampla participação do Estado” (Mattos, 2001, p.09).
[14] Ver a linha de argumentação deste documento para justificar a redução da atuação do Estado em Mattos, 2000, p. 243-270. O argumento parte da distinção entre bens públicos e bens privados, dividindo os serviços de saúde entre serviços que trazem benefícios para toda a sociedade e os que trazem benefícios para os indivíduos. Opera a divisão dos serviços básicos destinados para os mais pobres e os serviços assistenciais convencionais (predominantemente hospitalares) para os mais ricos (Cf. Mattos, 2000, p. 264-265).
[15] Este Relatório apresenta um diagnóstico geral sobre a saúde em nível mundial, destacando a realidade dos países “em desenvolvimento”, e “propõe um projeto detalhado para a reforma dos sistemas de saúde destes países, sinalizando o interesse em financiar projetos específicos, especialmente aqueles destinados às reformas das políticas deste setor” (Rizzotto, 2000, p.119).
[16] Encontro convocado pelo Institute for International Economics que aconteceu na capital dos Estados Unidos em 1989, com a participação de funcionários do governo norte –americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados – FMI, Banco Mundial e BID – e especializados em assuntos latino-americanos. Teve como objetivo proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região, reafirmando a proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha recomendando, por meio dos referidos organismos, como condição para cooperação financeira externa. Registrou-se um consenso sobre as reformas já realizadas ou iniciadas na América Latina com exceção, até aquele ano, do Brasil e Peru.

[17] Cf. Rizzotto (2000, p. 155).
[18] As Entidades de Manutenção de Saúde – EMS são todas as formas de planos de saúde em grupo e as cooperativas médicas.   
[19] Rizzotto (2000, p. 200) chama a atenção de que este “Informe sobre a Reforma do Setor Saúde no Brasil” foi elaborado e apresentado no momento em que o Brasil negociava com o BID e o BIRD os empréstimos destinados ao Projeto REFORSUS.
[20] Cf. Granemann (2007).
[21] Ver análise das Fundações Estatais de direito privado em publicação recente: BRAVO, Maria Inês Souza [et al.] Política de saúde na atual conjuntura: modelos de gestão e a agenda para a saúde. 1ª ed., Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius, 2007.
[22] PAC Saúde – Mais Saúde – Direito de Todos / Portal do Ministério da Saúde.
[23] Existe uma relação de interdependência entre o SUS e a rede privada, principalmente, em relação aos serviços de internação, ao tempo em que 66% do total de leitos hospitalares vinculados ao SUS são privados, do total de estabelecimentos privados que têm serviços de internação 68,9% são conveniados ao SUS (IBGE, 1999). Este dado demonstra que um percentual alto da rede privada de internação depende do repasse de recursos públicos para manter-se. Esta interdependência implica em um repasse de um volume significativo de recursos públicos para a rede privada.
[24] Entre maio de 2002 e abril de 2003, a rede pública realizou 82% dos procedimentos ambulatoriais do SUS, enquanto a rede privada realizou 14% e a rede universitária 4% (Datasus, 2003). Enquanto que, no mesmo período, dos procedimentos de alta complexidade, 84% foram realizados na rede privada, 8% na pública e também 8% na universitária (Datasus, 2003). O Estado brasileiro vem priorizando a atenção básica, através de uma política de indução financeira – PAB variável, PACS e PSF, ao tempo que a rede privada especializa-se na alta complexidade subsidiada com recursos públicos, através da compra de seus serviços (rede conveniada), e do financiamento das suas ações pelo Fundo de Ações Estratégicas e Compensações (FAEC), criado em 1999.
[25] A pesquisa realizada em 1999, na região metropolitana do Rio de Janeiro e São Paulo por Costa, Ribeiro & Silva (2000), mostra que dos 23 hospitais pesquisados na região metropolitana do Rio de Janeiro e São Paulo, 47% utilizaram alguma forma de flexibilização administrativa, 30% tiveram receitas complementares aos recursos que receberam do tesouro público, e 21% receberam essas receitas através de convênios com provedores ou seguradoras privadas, caracterizando um duplo acesso de pacientes aos serviços hospitalares.
[26] Entre estes Bravo & Matos (2002).